O arquiteto Eli Attia desenvolveu um processo que consiste numa nova forma de pensar edifícios. Trabalhou em parceria com o Google X, os laboratórios semi-secretos da Google. Mas após algum tempo, a Google decidiu continuar sem ele.
Durante décadas, o arquiteto Eli Attia preencheu caderno atrás de caderno com ideias para uma nova forma de pensar a construção de edifícios. Desenvolveu um processo a que chamou Engineered Architecture – um sistema que, segundo diz, iria simplificar radicalmente cada aspeto do processo de construção. Attia descreve-o como uma nova abordagem para todos os aspetos da arquitetura e da construção, passível de revolucionar a indústria. Começou a desenvolver o sistema em 1996 e considera-o o trabalho da sua vida, embora seja humilde relativamente a diversos dos seus detalhes específicos. Há cinco anos atrás levou o projeto à Google X para transformá-lo em software funcional. Diz, agora, que lhe roubaram o projeto.
O Engineered Architecture teria sido o projeto perfeito para o programa moonshot da Google: uma ideia ousada, um arquiteto brilhante e um plano ambicioso para remodelar uma das fundamentais indústrias a nível mundial. No entanto, apenas um ano após o princípio da iniciativa com a Google X – separaram-se e dentro de meses o projeto foi alocado a uma filial independente chamada Flux Factory, sem o envolvimento de Attia. Eli Attia diz, agora, que a nova empresa está a usufruir do seu trabalho – e, nesse sentido, tem estado a trabalhar num processo judicial de um milhão de dólares contra a Flux e a Google, pelo seu caso de segredo industrial, condenando Larry Page e Sergey Brin.
O caso desperta a curiosidade sobre um dos ramos mais secretos e idealistas do império da Google, levantando novas questões relativamente à forma como a Google X gere a propriedade intelectual. Será que a Google roubou as ideias de Attia ou simplesmente seguiu em frente sem as mesmas? Eram as ambições da Google X um disfarce para um negócio mercenário ou apenas uma simulação para o processo judicial? E estará a Flux Factory, ao procurar modificar a indústria da construção, a trabalhar sobre as ideias de outra pessoa?
Attia projetou, em 1985, o Republic Bank Building (agora propriedade da HSBC) na sede histórica do banco perto do Parque Bryant em Nova Iorque
A maior vantagem de Attia no âmbito do processo judicial é a sua reputação enquanto arquiteto, construída ao longo de décadas de projetos de alto nível. A trabalhar para Philip Johnson nos anos 70 concebeu e desenhou a famosa Catedral de Cristal na Califórnia, antes de criar a sua própria empresa e desenhar o arranha-céus, uma referência, no número 101 de Park Avenue em Nova Iorque. Tornou-se o rosto de uma nova escola de arquitetura, centrada na geometria, ensinando em Harvard, na Columbia e no Museu de Arte Moderna e aceitando projetos desde Seattle até Tel Aviv. Em 1982 uma crítica do New York Times descreveu o seu estilo assim:
“A fusão do seu amor por arquitetura com o seu amor por matemática para chegar a desenhos geométricos altamente inovadores nos seus edifícios.”
Attia avança que o Engineered Architecture nasceu de um impulso semelhante, do desejo de automatizar os complexos desafios da arquitetura e da engenharia.
Na sua essência, o Engineered Architecture fornece um conjunto de mais de 100 diferentes blocos de design modular que podem ser combinados em “toda e qualquer forma concebível” como descrito por Attia. Um pedido de patente apresentado em 2008 estabelece uma série de blocos que podem definir diferentes curvas para a parede exterior de um edifício. (A patente foi posteriormente abandonada, mas uma petição para a renovar foi reavivada). Attia afirma, no entanto, que o Engineered Architecture é mais do que uma simples ferramenta de design que se estende ao pré-projeto, fabrico e construção do próprio edifício. Na denúncia, é referido como “um processo revolucionário prestes a mudar o rosto da arquitetura e da construção no mundo inteiro.”
Attia diz que começou a procurar um parceiro para o sistema do Engineered Architecture em 2010, na esperança de o transformar no software de arquitetura da próxima geração. Essa ambição chamou a atenção de Astro Teller, que tinha recentemente cofundado a Google X, o ramo secreto de investigação da Google. A Google X era ainda recente mas Attia diz que Teller estava à procura de “uma ideia que mudasse o mundo” e considerou que o Engineered Architecture encheria essas medidas.
Logo após a correspondência com Teller, Attia deu uma palestra na sede da Google em Mountain View, dando início a uma longa relação de cortesia com os executivos de topo da Google. Attia descreve uma série de reuniões com Larry Page, Sergey Brin e com o cofundador da Google X, Sebastian Thrun. A equipa de liderança tinha sido atingida pelas ideias ambiciosas de Attia e pelo próprio arquiteto. “A resposta mais direta é que me tornei um crente.” Escreveu Teller a Larry Page, Sebastian Thrun e outro executivo num e-mail obtido pela The Verge. Teller colocou, então, as diversas opções para ou financiar o projeto ou “ajudarem-me a decidir se esta ideia é estúpida e se nos devemos afastar.”
No Verão de 2010 a Google avançou, dando início a conversações com Attia sobre o projeto de arquitetura da Google chamado “Genie”. Era um dos primeiros projetos assumidos pela X e Attia fazia parte da equipa original, acompanhado por um líder de projeto chamado Nicholas Chim, que foi destacado da Google. Simultaneamente, Attia começou a projetar uma casa para Thrun, trabalho que iria continuar muito após se separar da Google.
Qual era o objetivo do Projeto Genie? De acordo com Attia o objetivo passava por simplesmente traduzir o sistema Engineered Architecture para software. Através dos seus advogados Attia cita Teller dizendo:
“[Eli] inventou a tecnologia e está aqui para traduzir o seu cérebro para software.”
Attia não tinha os conhecimentos de software ou de negócios para tornar o Engineered Architecture num produto de software de sucesso e então considerou que a Google X o poderia fazer. Dada a sua considerável fama como arquiteto, Attia esperava ser consultado para as questões relacionadas com arquitetura.
A Google e a Flux ainda não apresentaram qualquer resposta legal à queixa de Attia – mas a equipa parecia encarar o Genie de forma diferente, com as ferramentas de Attia como apenas um dos diversos caminhos a seguir. (A Google X recusou-se a comentar) mesmo embora tenha feito parte da Genie desde a sua fase inicial, os documentos de trabalho de Attia descrevem-no como apenas consultor e o Genie tinha Michelle Kaufmann, arquiteta, a bordo desde o início. Attia poderá ter sido crucial para a visão inicial – ou, mais provavelmente, crucial para convencer as altas patentes da Google a financiarem o projeto – mas o produto final parece ter-se expandido para além do trabalho de projetar edifícios. Como em qualquer projeto especulativo de uma start-up o Genie teve que ser mais ágil, arranjando uma forma de traduzir boas ferramentas e uma indústria disruptiva num modelo de negócios viável.
A evolução do Projeto Genie poderá tê-lo colocado em desacordo com o resto da Google X. Após cinco meses, o Genie estava a tornar-se num conjunto de ferramentas de software orientadas para o mercado, organizando informação para arquitetos e construtores em vez de moldar os próprios edifícios. Entretanto, a Google X mostrou-se cada vez mais interessada em ambiciosos projetos de hardware como carros autodirigíeis e o Google Glass, o que poderá ter deixado o Genie, projeto orientado para software, de fora. Não é claro como é que a decisão foi tomada mas à medida que 2011 se aproximava do fim tornou-se claro que os dias do Genie na Google X estavam contados. De acordo com a denúncia. Astro Teller enviou um e-mail a Attia, a 7 de Dezembro, dando-lhe a conhecer que o projeto tinha sido terminado.
Astro Teller numa conferência em Outubro de 2014
“Sinto muito que o Genie vá acabar,” disse Teller.
“Teria sido algo relevante para o mundo.”
Mas não se tratou inteiramente do fim. O Genie não era o projeto de hardware moonshot que a Google X pretendia, mas poderia ter-te tornando num negócio viável. Chim começou a elaborar um plano de negócios e a encontrar-se com investidores, numa tentativa de manter o projeto vivo. Attia foi afastado desses planos desde o início, o que conduziu a momentos constrangedores na medida em que o envolvimento da Google X no projeto se acalmou. O grupo trabalhava num open-office com salas de reuniões com paredes de vidro e Attia descreve que uma vez chegou ao escritório de manhã e encontrou o restante grupo numa reunião não planeada. Quando entrou para ver o que se passava foi recebido por um silêncio constrangedor:
“Pararam todos de falar e trocaram olhares entre si, durante o que pareceu um par de minutos, até que Chim deu por encerrada a reunião,” disse Attia.
Os sinais eram suficientemente claros. Num telefonema de Thrun no dia anterior à véspera de ano novo, Attia recebeu a notícia oficial de que o projeto ia ser mantido sem ele.
“O Genie vai-se autonomizar, vai-se autonomizar sem ti, infelizmente, e é assim,” disse Thrun. “É uma situação miserável… Mas não há nada que eu possa fazer.”
A nova empresa teve o nome de Flux Factory, com Chim como CEO e Teller nos quadros. O seu objetivo parecia distinto do que o Engineered Architecture oferecia. O primeiro produto da Flux focou-se na recolha de informação sobre zoneamento e portarias locais, uma tarefa completamente diferente do sistema de design modular descrito nos documentos do Engineered Architecture. O projeto de Attia passava por um sistema de desenho de edifícios mas a Flux parecia agnóstica em relação ao design, criando ferramentas úteis para qualquer tipo de abordagem do arquiteto ao seu ofício. Numa entrevista em Novembro Chim descreveu a Flux como fornecedora de apoio à decisão para construtores, “computando métricas-chave, como o custo de construção e custo de funcionamento do ciclo de vida, em tempo quase real.”
Mas Attia não está convencido de que os projetos sejam assim tão diferentes. Quando perguntei que elementos do Engineered Architecture via na Flux Attia respondeu (através do seu advogado) que era simples:
“Tudo. Nada foi deixado para trás. Nada foi acrescentado. Nada foi modificado. Cada aspeto específico do Engineered Architecture está incluído nas apresentações da Google/Flux.”
Nos anos seguintes, Attia parece ter desistido do sonho de um sistema de arquitetura alimentado por software. Em 2013 numa entrevista ao jornal israelita Globes, acusa a Google X de roubar o trabalho da sua vida, mas manteve-se calmo desde aí. A Max Sound, uma empresa de áudio em tempo real comprou os direitos de Attia para proteger a tecnologia do Engineered Architecture em 2014 e está a apresentar a queixa em seu nome. A Max Sound tem múltiplos processos contra a Google, relativos a patentes, pendentes e em Dezembro ofereceu-se para financiar qualquer queixa relativa a questões de propriedade intelectual contra o gigante, alegando que o tamanho do mesmo tinha convencido muitas empresas menores a evitarem litígios. “Estamos interessados em ouvir mais de outras empresas em circunstâncias semelhantes.” Avançou o CEO da Max Sound, em comunicado. No entanto, embora o processo judicial de Attia possa surgir como resultado da sede de litígio da Max Sound, as suas queixas contra a Google vêm de muito mais longe. A maioria dos factos mais significativos do seu caso foram mantidos de fora da entrevista à Globes, meses antes de se ligar a Max Sound.
Nos três anos seguintes à conclusão do projeto Genie a Google X desmembrou mais ideias para projetos da Google autónoma, da pesquisa da Google Brain’s AI à nova versão para o consumidor do Google Glass. Como estes projetos foram alocados, o Google X tem-se focado em projetos ainda mais ambiciosos como a construção de drones autodirigíeis ou de balões de Wi-Fi. Mas o Genie foi o único projeto alocado a uma empresa independente.
Entretanto, a Flux está focada nas preocupações habituais de uma ambiciosa, contudo sem dinheiro, start-up. O seu primeiro produto, Flux Metro, lançado em Outubro é uma ferramenta de planeamento urbano, agregando e visualizando os pedidos de governos locais para edifícios futuros num determinado lote de terra. Está planeado como apenas o primeiro de muitos produtos. A construção é uma indústria de mil milhões de dólares e a Flux poderá ter apenas um impacto tão grande como projetos de alto nível da Google, como o Loon ou o Glass – isto é, uma vez que os problemas legais se encontrem resolvidos. “Estamos ocupados a construir as necessárias infraestruturas de colaboração para a indústria da construção.” Avançou um representante da empresa à The Verge. “E não tenho comentários adicionais neste momento.”