A Apple e a Google dedicam cada vez mais energias a desenvolver protótipos de carros. O que aparentava ser um ensaio tecnológico revela-se progressivamente uma estratégia planeada de revolução do mercado automóvel. E você, está com vontade de conduzir um smart car?
A maior história automóvel de 2014 foi, sem sombra de dúvidas, a revelação do protótipo da Google do seu primeiro carro que se conduz sozinho. Apesar da lembrança da General Motors e da Takata, e do aumento dos empréstimos automóveis subprime serem importantes tendências a curto prazo, nada ilustra melhor este momento na história da indústria automóvel que a entrada de uma gigante da tecnologia num campo dominado por algumas empresas, também gigantes, e bem estabelecidas.
Agora, com o fluxo de notícias aclamando a entrada também da Apple no mercado dos veículos eléctricos, parece que a invasão do setor automóvel de Silicon Valley se está a tornar um assalto bem planeado.
Mas por mais significante que seja a entrada de gigantes da tecnologia na indústria automóvel, os seus planos são vagos e parecem trazer mais confusão que claridade.
Tanto que a indústria parece estar a responder às notícias da Apple questionando porque é que uma tecnologia com grande margem de lucro poderia possivelmente querer um pedaço deste negócio intenso em capital com uma baixa margem de lucro. O antigo Chefe Executivo da GM, Dan Akerson disse à Bloomberg News que os acionistas da Apple deviam ter atenção com uma jogada destas na indústria automóvel, porque “muitas pessoas que nunca trabalham nela, não compreendem e têm tendência a subestimar” a indústria. Akerson fala por experiencia própria: Os seus cinco anos e meio como executivo automóvel estiveram cheios de erros de principiante.
O último erro de Akerson foi não compreender que nenhuma instituição poderosa de Silicon Valley está a tentar ultrapassar os fabricantes de automóveis no seu próprio jogo. A Apple e a Google tem agora uma oportunidade estratégica histórica.
O paradigma automóvel com mais de um seculo chegou a uma maturidade ao mesmo tempo que novas tecnologias permitem uma relação completamente nova e diferente das pessoas com a mobilidade. Pode nem ser justo chamar “carros” ao que a Apple e a Google estão a desenvolver, de todo, considerando que os veículos serão mais provavelmente oferecidos como serviços do que produtos para venda.
Passe de carro
Em vez de se comprar um carro da Apple ou da Google, como se compraria um Ford ou um Toyota, ter-se-ia simplesmente acesso ao mais próximo e disponível através de uma aplicação estilo Uber. Em vez de ter de colmatar todas as necessidades de mobilidade de todos os consumidores com uma compra única enorme, estes veículos de serviço autónomos serão otimizados para diferentes cenários à base de um pagamento por utilização ou de subscrições. Um modelo pode substituir os táxis para boleias urbanas; outro modelo pode estar configurado para viagens mais longas, enquanto ainda outro modelo pode providenciar mobilidade para um fim-de-semana de aventura. Em vez de ser proprietário de um carro de cidade, um sedan e um SUV, um serviço móvel da Apple ou Google pode um dia substituir todos os três com uma simples subscrição.
Isto não só abre novas relações com a mobilidade para os consumidores, mas também permite que “jogadores” novos evitem os poços da indústria automóvel tradicional. Se operado como um serviço, a Google ou a Apple constroem muito menos carros que qualquer fabricante automóvel moderno e asseguram que esses veículos operem com o máximo de eficiência em vez de estarem parqueados, como a maioria dos carros a toda a hora. Isto, em conjunto com a relativa simplicidade do fabrico de um veículo elétrico, quereria dizer que o serviço móvel precisaria de uma pegada de fabrico muito menor. Porque não há necessidade de uma rede de concessionários, o modelo de serviço evita a necessidade de investimentos enormes e de se enovelar em leis complexas de franchises de concessionários. Com os cortes dos “fossos” principais da indústria automóvel – escala de fabrico e venda automóvel – o interesse da Apple e a Google no que ainda pensamos como um “carro” seria muito mais viável.
A investigação de autonomia a longo termo, da Google, representa a maior ameaça tecnológica para o paradigma confortável da indústria automóvel, mas o imenso poder da marca Apple é, talvez, uma preocupação ainda maior. Enquanto a experiencia da Google com produtos tem sido inconsistente, a Apple provou a sua estabilidade de concretizar enormes segmentos de produtos novos. De fato, criar uma alternativa para o automóvel tradicional é uma das poucas oportunidades que os líderes da Apple pós-Steve Jobs têm para reivindicar um pedaço de história. Se o serviço móvel da Apple mantiver os standards de “o produto funciona” da empresa, mesmo de uma forma limitada inicialmente, tem uma oportunidade de abrir milhões de mentes à possibilidade de não terem um carro.
Equação de muitas incógnitas
Ainda existem muitos obstáculos a esta visão, muitos mais ao sucesso da Apple com ela. A empresa está anos atrás da Google, e até fabricantes de automóveis estabelecidos estão a entrar na visão de veículos autónomos e da tecnologia de condução elétrica. A notória luta da Apple com a sua aplicação de mapeamento é uma causa para preocupação.
Mas mesmo com a sua enorme vantagem inicial, a Google ainda luta para que a sua condução autónoma funcione em condições adversas, e os obstáculos de regulamentação que esperam os carros sem condutor são consideráveis. Com os fabricantes a introduzir as capacidades autómatas nos modelos que aí vêm, o modelo de propriedade privada vai tentar atrasar tais serviços moveis o mais possível.
Ainda assim, Silicon Valleu tem uma oportunidade de oferecer a primeira, verdadeira, alternativa à compra de veículos individuais. E com duas das maiores firmas tecnológicas a disputar a meta desta visão, os fabricantes tradicionais estão em estado alerta. A Tesla mostrou que as empresas startups podem executar produtos competitivos e apelar à imensa boa vontade do público numa indústria que assume que a consolidação, não novas ameaças, é a preocupação competitiva principal.
Com a marcação do ano de 2020 pela Apple e pela Google como a data para os seus novos produtos móveis, a indústria automóvel agora tem um ciclo de produção inteiro para responder. A forma como o fizer vai determinar não só o seu próprio futuro, mas também o futuro de um imenso setor da economia industrial global.