Saiba como Jim Yong Kim vê o novo Banco Asiático para o Investimento em Infraestruturas, como encara os problemas de África e outros temas centrais do desenvolvimento mundial.
Trata-se de um momento excitante para o financiamento do desenvolvimento global. O Banco Mundial encontra-se a articular um plano para acabar com a pobreza extrema até 2030 e um novo fundo para infraestruturas criado pela China fez levantar o sobrolho em Washington – e dólares pelo mundo todo. Entretanto, as inovações do setor privado remodelam as necessidades das economias de mercado emergentes. Jim Yong Kim, o médico especialista em VIH, antigo presidente do Dartmouth College e que atualmente lidera o Banco Mundial (desde 2012) passou pela sede do Quartz em Nova Iorque, esta semana, para falar do mundo do financiamento do desenvolvimento, em rápida mudança, e do seu objetivo de libertar o mundo da pobreza extrema.
Relativamente ao Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas
"Quando nos sentamos e olhamos para o novo plano de desenvolvimento – 17 objetivos, 169 metas – [e para os objetivos das Nações Unidas] encaramos uma agenda de vários milhões de biliões. Você sabe, os bancos multilaterais de desenvolvimento, em conjunto, não chegam a 200 mil milhões. [Então] como é que vamos lá chegar? Temos vindo a dizer e a repetir que será necessário um novo tipo de colaboração.
Não existe em lugar algum algo suficientemente perto para financiar infraestruturas na Ásia. E a China definiu a Ásia de forma muito ampla: do Japão ao Médio Oriente, é a Ásia de agora.
Estamos ansiosos por trabalhar estreitamente com eles – só queremos que utilizem normas internacionais.
A pobreza é o nosso inimigo, não outra instituição."
Por falta de projetos “financiáveis”
"O problema não é o capital. Há tanto capital de lado. Temos taxas de juro muito baixas; os fundos de pensão e os fundos soberanos estão sentados a pensar se não existirá uma melhor forma de utilizar o nosso património e vê-lo crescer um pouco mais vigorosamente? E claro, uma potencial área de investimento seria a área das infraestruturas nos países em desenvolvimento.
Mas a chave é que não existe número suficiente de projetos financiáveis – com projetos financiáveis a significar que todo o trabalho foi feito para, por exemplo, garantir que a instalação de energia hidroelétrica na República Democrática do Congo [atende os requisitos do empréstimo]. Nenhum dos bancos multilaterais de desenvolvimento pode financiá-lo, individualmente, a não ser que nos envolvamos e façamos toda a preparação do projeto – aspetos literais como considerar as espécies de peixes no rio para garantir que não seremos responsáveis pela extinção das mesmas ao longo do tempo. É [também] necessário criar todo um lobby para proteger o projeto e garantir que reviravoltas em governos daquela zona não irão conduzir à suspensão do mesmo.
As boas notícias é que é tudo possível e pode ser um bom investimento mas se grupos como o Banco Mundial ou o Banco Africano de Desenvolvimento não estiverem envolvidos – nada irá acontecer."
Relativamente à boa impressão em relação a Jack Ma da Alibaba
"Vocês sabem que eu me tornei muito próximo de Jack Ma da Alibaba. Ele contatou-me pessoalmente pois quer levar o modelo da Alibaba para África, quer levar o modelo da Alibaba para o sul da Ásia e para a América Latina. Estou certo de que vocês conhecem o modelo deles mas eu estou espantado com o que estas pessoas podem fazer. Se a China não for capaz de entregar encomendas a tempo, o que é que você faz? Você pega num conjunto de agricultores e cria todas essas empresas de entrega de encomendas. E agora, a população em áreas rurais e que de outra forma poderia ter ido para a cidade ou poderia não ter encontrado trabalho, está agora a gerir as suas próprias empresas – e são antigos agricultores.
Estive com ele em Davos. A última coisa que me disse foi: “Estamos a identificar as aldeias onde não existe acesso à internet. De seguida iremos até lá. Desde que haja uma estrada e serviço móvel – e existe serviço móvel basicamente em todo o lado – eu vou encontrar duas ou três jovens mulheres muito experientes e que saibam usar um computador. Dou-lhes um computador e elas começam a receber pedidos de toda a aldeia.” Toda a gente quer uma máquina de lavar a roupa, toda a gente quer estas coisas básicas e percebem que tanto podem conduzir 70km até à cidade, comprar uma máquina de lavar roupa e transportá-la no carro ou podem comprá-la online por metade do preço e [obter] uma máquina de lavar roupa com melhor qualidade. Assim que os camiões andarem por aí a entregar máquinas de lavar roupa os mesmos acabam por retornar [às cidades] com produtos daquela aldeia, certo?
Ele está mesmo a mudar, de uma forma fundamental, o modelo de desenvolvimento. E brevemente terá 2 mil milhões de clientes. Facilitei encontros entre Jack e líderes de diferentes países porque ele quer mesmo fazer isto.
Jack Ma (Edgar Su/Reuters)
Ele é muito humilde, extremamente humilde, e atualmente uma das pessoas mais ricas da China – aspeto a que não dá muita importância. O que realmente quer é contribuir para o desenvolvimento.
A outra coisa que adoro no Jack é que está a alterar o sistema bancário na sua cabeça. Ele diz que apenas ao observar o comportamento online das pessoas – o quão rapidamente pagam, o quão rapidamente enviam os seus produtos, quando necessitam de dinheiro, quando não necessitam de dinheiro, o quão honestos são a fornecer feedback – desenvolveu algoritmo atrás de algoritmo para os mesmos, para saber o risco de crédito de determinada pessoa e o volume com que pode lidar no momento em que faz uma aplicação [de empréstimo].
A banca tradicional passa [por] conhecer o seu cliente, certo? Apertar-lhe a mão, saber qual a sua garantia, como é que a pessoa é. E ele diz “Não quero conhecer estas pessoas. Não preciso de ver as suas caras. Não preciso de saber nada sobre elas. Tudo o que preciso de saber é como é que se comportam no âmbito do sistema do Alibaba.”
Se se considerar esta inovação quando estamos no Alibaba [e] precisamos de aceder a serviços financeiros: será um sistema bancário sombra ou financiamento inovador? Atualmente decorre uma discussão na China sobre esta questão – eu acho incrível."
Relativamente ao impacto do acesso à internet
"Estamos bastante interessados na ideia das próximas mil milhões de pessoas terem acesso à internet – e que estão a ficar online essencialmente via telemóvel, principalmente nos mercados emergentes. O que é que esta tendência significa para o desenvolvimento? É enorme para nós. O nosso próximo relatório do desenvolvimento mundial será [sobre] a internet e consideramos aspetos muito específicos sobre, como por exemplo, o estar online pode transformar as perspetivas de desenvolvimento.
O que significaria se [por exemplo] a Alibaba pudesse realmente funcionar em África? O que poderá significar é que nos focaríamos mais em fornecer energia em mini micro-redes para que não fosse necessário ter que construir redes enormes – pois não será o clássico modelo de desenvolvimento baseado na industrialização. Seria diferente, seria mais ao nível-de-aldeia. Assim temos que nos focar nas estradas, no acesso à internet e poderemos trabalhar com microgeração solar e eólica, pelo menos por algum tempo. Isto são só ideias por explorar, não sabemos se isto irá resultar – mas temos que encarar essa ideia."
Relativamente à elevação de África
"Eu fui completamente louco por África durante 20 anos. Sou médico especialista em VIH. De 1995 a 2000 a minha experiência foi a de um continente que estava em apuros – havia taxas muito elevadas de infeção por VIH; não havia perspetivas de tratamento; a noção de que em alguns países cerca de 25% a 30% da população vivia com VIH; a esperança média de vida a cair 10 a 15 anos em alguns países. Foi uma época terrível.
Se tivesse as taxas de mortalidade e de esperança média de vida tivessem continuado a cair assim África não veria a elevação do continente agora.
Agora temos quase 10 milhões de pessoas em tratamento em África. Tal como em muitos outros lugares, é uma doença crónica com a qual se sabe lidar.
Sinto que tenho um interesse pessoal em garantir que de facto África se eleva. Quais são os obstáculos? Houve descobertas significativas de riquezas minerais, petróleo, metais preciosos por toda África. Mas sabemos que existe a chamada maldição dos recursos naturais onde se verifica um aumento do PIB – sem grande benefício para todos. Uma grande parte da elevação de África terá que passar por garantir que a riqueza mineral se traduz em benefícios reais para toda a população.
Outro aspeto é a produtividade agrícola. A produtividade agrícola aumentou em muitos lugares mas nem tanto em África; África tem realmente ficado para trás por diversas razões diferentes – falta de energia, falta de água, falta de acesso a novas sementes e falta de acesso a tecnologia passível de aumentar a produtividade. Mas sabemos que na China 10% de aumento da produtividade agrícola tem quatro vezes maior impacto do que 10% de aumento da produtividade industrial. Assim sendo, temos mesmo que nos concentrar na agricultura em África, [onde] 70% da população ainda vive em zonas rurais.
Prevê uma altura que os EUA não venham a insistir na escolha do presidente do Banco Mundial?
"Fui o primeiro presidente do Banco Mundial que teve que passar por uma eleição. O meu amigo [Ngozi Okonjo-Iweala, ministro das Finanças da Nigéria] era um candidato real, e houve votos reais, e eu tinha que ir a 22 países em 14 dias, em campanha. Tenho a certeza de que a partir de agora haverá sempre uma campanha, haverão sempre outros candidatos."