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A teoria que constitui um maior entrave à legalização da marijuana é a que aponta o consumo da mesma como uma porta de entrada para o consumo de drogas pesadas. Terá essa teoria suporte científico?

Com alguns estados norte-americanos a legalizarem a marijuana através do voto popular, alguns políticos, incluindo o presidente do município de Boston, Marty Walsh, e o governador de Nova Jersey Chris Christie, ainda dizem que a marijuana é uma droga de passagem.

A teoria da droga de “iniciação” argumenta que, por causa dos utilizadores de heroína, cocaína e metanfetamina, terem utilizado marijuana antes de passarem a drogas mais pesadas, então esta deve ser o primeiro passo para um uso mais pesado. A teoria argumenta que existe um mecanismo casual que sensibiliza biologicamente os utilizadores de drogas, tornando-os mais dispostos a experimentar e mais desejosos de drogas pesadas.

No entanto, a tese da droga de “progressão” não faz sentido para aqueles que usam marijuana, ou usaram no passado. A pesquisa mostra que a grande maioria dos utilizadores não passam a usar drogas pesadas. A maioria pára de consumir depois de entrar no mundo social adulto da família e do trabalho.

Então por que é que esta teoria ainda é parte da retórica e da controvérsia em torno da droga? Um olhar mais atento revela as raízes históricas – e interesses ocultos – que mantêm o mito vivo.

Explicação do uso de drogas pesadas

Ao analisar o que atua como uma passagem para o uso de drogas pesadas, existe um número de fatores que devem ser contabilizados. Nenhum deles envolve a marijuana.

  • A pobreza e um ambiente social pobre são caminhos para as drogas, de acordo com muitas pesquisas.
  • A associação com pessoas que usam drogas pesadas é um melhor indício do uso de drogas.
  • Algumas doenças mentais, como uma personalidade anti-social e um distúrbio bipolar, podem predispor algumas pessoas ao uso de drogas.
  • Outras pesquisas dizem que a criminalização e a proibição são grandes motivadoras para as drogas pesadas.

Com tantas pesquisas a desafiarem a teoria de “progressão”, é importante examinar – e dissipar – a pesquisa a que os defensores do mito se agarram.

Mas e as provas?

A maioria dos estudos que ligam a marijuana ao uso de drogas pesadas vem da correlação entre as duas. No entanto, como qualquer cientista principiante pode dizer-lhe, correlação não significa causalidade.

A correlação é um primeiro passo. A correlação pode ser positiva ou negativa; pode ser fraca ou forte. E isso nunca significa por si só uma causa, a menos que seja encontrada uma razão racional para a causalidade.

O modelo de doença cerebral, que descreve as mudanças no cérebro durante a progressão desde o uso de drogas ao vício, recebe atualmente muita atenção como uma potencial ligação de causalidade da teoria de progressão. Por exemplo, num artigo de 2014, o neurocientista Dr. Jodi Gilman informou que até o menor uso da marijuana está associado a "alterações dependentes da exposição da matriz neural dos sistemas de recompensa centrais" nos cérebros de jovens utilizadores de marijuana. O raciocínio é que isto os predispõe a usar outras drogas.

Mas outros investigadores foram rápidos em apontar as falhas do estudo de Gilman, tais como a falta de controlos cuidadosos do álcool e de outras drogas daqueles cujos cérebros foram estudados. No entanto, a pesquisa do Dr. Gilman continua a ser citada nos media, enquanto os seus críticos são ignorados.

Noutro estudo, apoiando a teoria de progressão, os autores admitem a limitações no seu estudo: que excluíram utilizadores de cocaína mais jovens da análise, bem como utilizadores de cocaína mais velhos que nunca tinham usado marijuana. Isso significa que os casos que podiam fornecer evidências de nenhum efeito de progressão foram deixados de fora da análise.

Por outro lado, há uma riqueza de pesquisas que apontam as falhas da teoria de progressão. Infelizmente, o traço comum entre estes estudos é que grande parte deles vem de fora os EUA ou de organizações com bases nos EUA que estão a promover a legalização da marijuana.

Um mito enraizado nos políticos, perpetuado pelas políticas

Então por que é que a maioria das pesquisas financiadas que apontam falhas na teoria de “progressão” vêm do exterior?

Como Nathan Greenslit explicou num artigo da Atlantic no ano passado, a política de drogas dos EUA começou com o instigar de um medo racista pelo diretor do Federal Bureau of Narcotics (Departamento Federal de Narcóticos) Harry Anslinger, em 1937.

A administração Nixon reforçou o controlo de drogas, com a criação da Agência de Combate às Drogas, que classificou a marijuana como uma droga de Classe 1, contra o parecer da Comissão Nacional de Marijuana e Abuso de Drogas.

Porque a marijuana ainda está oficialmente classificada nos EUA como uma droga de Classe 1 sem valor médico, toda a pesquisa cuidadosamente controlada que utilize marijuana deve receber a aprovação de vários departamentos federais. Nas raras ocasiões em que os investigadores recebem uma aprovação, a política local pode derrubar o estudo.

Entretanto, nos Estados Unidos, investigadores e profissionais no tratamento da toxicodependência estão fortemente comprometidos com a alegação fracamente apoiada de que a marijuana é uma porta de entrada para as drogas pesadas. Durante décadas os cientistas que estudam o vício receberam milhões em financiamentos do governo e da indústria farmacêutica para perpetuar a teoria da progressão. Muitos poderiam perder as suas respectivas reputações (ou financiamento continuado) se o mecanismo de “progressão” não fosse um objetivo legítimo de investigação.

Aqueles que trabalham na vasta profissão do tratamento de dependências estão especialmente investidos em manter a teoria da “progressão” crível, já que a maioria dos seus pacientes são utilizadores de marijuana. Os seus empregos dependem da crença do vício como uma doença e no fato da marijuana ser ou não uma droga viciante.

Táticas de intimidação

Hoje, o que começou por serem táticas de intimidação de Anslinger foi "modernizado" (e mistificado) pela linguagem científica.

Os sociólogos Craig Reinarman e Harry G. Levine descreveram como os media e os políticos fabricam sustos de drogas para assustar e influenciar a política. Um dos medos que isso perpetuou é que o uso da marijuana vai aumentar se descriminalizado.

Mas um estudo de 2004 comparou Amesterdão, onde a marijuana foi descriminalizada, com São Francisco, onde a cannabis era, na época, ainda criminalizada. Os autores descobriram que a criminalização da marijuana não reduziu o uso, enquanto que a descriminalização também não aumentou o uso.

O medo de “progressão” tem-se concentrado principalmente na juventude. Por exemplo, o recém-eleito governador de Maryland, Larry Hogan, anunciou que é contra a legalização, em parte por causa da preocupação de que "o uso da marijuana aumentaria entre os jovens." Enquanto isso, os pais estão preocupados com a pesquisa recente que demonstra o efeito da marijuana no cérebro.

Estes estudos mostraram mudanças estruturais e de perda de matéria branca em utilizadores de marijuana, apesar das limitações destes estudos e implicações terem sido questionadas por outras pesquisas.

Mas os medos da descriminalização resultar no aumento do uso entre os jovens não têm sido apoiados por pesquisas de países onde as drogas foram descriminalizadas. Nem tem esta tendência sido observada em estudos de estados americanos que legalizaram a marijuana para fins médicos ou de lazer. Por exemplo, num artigo publicado no American Academy of Pediatrics, os autores não encontraram nenhuma prova de que os jovens haviam aumentado o uso da marijuana em estados onde a marijuana medicinal ou recreativa foi legalizada.

O pior impacto sobre as crianças, de acordo com os autores, foi o potencial da situação para processos criminais.

Uma porta para a prisão

Estudos descobrem constantemente que a experiência traumática de ser preso e encarcerado pelo porte de marijuana é o aspecto mais prejudicial da marijuana entre os jovens. A detenção por posse pode resultar em problemas devastadores – muitas vezes permanentes – legais e sociais, especialmente para os jovens vindos de minorias e famílias com baixos rendimentos.

De acordo com estudos realizados pela ACLU, quase a metade de todas as prisões devido a drogas foram pelo porte de marijuana, e que a maioria dos presos eram afro-americanos. Em alguns estados, os afro-americanos tinham mais de oito vezes mais chances de serem presos por causa da marijuana do que os brancos.

Infelizmente, a legalização da marijuana não mudou os aprisionamentos e as disparidades de encarceramento para as minorias. Enquanto que os afro-americanos sempre estiveram super-representados nos aprisionamentos por drogas, uma nova pesquisa mostra que os afro-americanos são mais propensos a serem presos por porte de marijuana depois da reforma da marijuana do que todas as outras raças eram antes da reforma das políticas da marijuana. Embora, em alguns estados, a descriminalização torne a posse uma ofensa "não criminal", esta ainda pode ser ilegal e pode resultar em prisão, presença no tribunal e multas pesadas.

Marijuana como forma de saída das drogas pesadas

Na periferia dos debates sobre a marijuana como uma droga de entrada estão estudos que mostram a marijuana como benéfica para o tratamento de dependentes de opiáceos.

Estes têm sido largamente ignorados. No entanto, agora que a marijuana se tornou legal para fins médicos em alguns estados, uma nova pesquisa oferece resultados substanciais que não podem ser descartados.

O crime não aumentou nos estados que legalizaram a marijuana; na verdade até tem reduzido. Surpreendentemente, as mortes por overdose de opiáceos também têm diminuído.

Como já escrevi anteriormente para o The Conversation, quem realmente fala com consumidores problemáticos de droga (e não fala apenas sobre eles) sabe que a marijuana pode ajudar os utilizadores de drogas a prevenir, controlar, e mesmo a parar o uso de drogas pesadas.

A marijuana pode funcionar como uma estratégia de saída das drogas pesadas que precisa de ser estudada e, possivelmente, implementada.

Está na hora de encarar a marijuana não como uma forma de entrada nas drogas pesadas e em vez disso começar a estudar a sua utilização como tratamento para as drogas mortais, viciantes e socialmente devastadoras.

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