Ben Bernanke já não é herói?
Página principal Análise

Há dois anos o antigo diretor da Reserva Federal dos EUA foi considerado um herói que salvou a economia norte-americana. Hoje, as opiniões sobre Bernanke são bem diferentes…

Ben Bernanke de tentou capitalizar a sua antiga posição de principal responsável do planeamento económico norte-americano ao conseguir um emprego de consultor no fundo de alto risco Citadel.

Tal como apontámos nesta ocasião, é uma certeza virtual que, ao contrário do que diz o comunicado de imprensa, a Citadel não contratou Bernanke pela sua visão económica revolucionária ou pela sua previdência financeira. Se estas fossem de facto as razão que levaram a Citadel a assinar contrato com o economista, mais valia que a empresa se suicidasse logo ali.

Há dois anos, a revista Atlantic celebrou Bernanke como “o herói que salvou a economia”, fruto da sua estratégia de imprimir toneladas de dinheiro e suprimir as taxas de juro até zero. Atualmente, o Wall Street Journal está-lhe a dizer para “parar de culpar os outros pelos seus erros”.

A razão pela qual as grandes companhias financeiras estão dispostas a pagar fortunas pelos conselhos de antigos burocratas de altos cargos é sobretudo pelos seus contactos no sistema e pela sua visão privilegiada do aparato burocrático e respetivo funcionamento. Este síndrome da porta giratória é uma característica bem conhecida do corporativismo moderno, e sendo assim algo que certamente vale a pena criticar. Tal como referimos, não estamos a criticar Bernanke por finalmente ter arranjado um emprego verdadeiro fora da torre de marfim da burocracia. É, contudo, claro que a única "especialidade" que o seu novo empregador quer aproveitar está diretamente relacionada com a sua anterior posição como intervencionista.

Em suma, o seu valor de mercado livre é uma função subsidiária das políticas intervencionistas do governo.

Contudo, é difícil culpar as empresas por tentarem ganhar uma pequena vantagem com a sua contratação. De certa forma, isto aplica-se a bastantes ocasiões da porta giratória e do lobbying corporativo. Dado a situação de que o governo, de facto, intervém na economia e assim representa uma grave ameaça para o setor privado, as companhias não estão meramente a tentar comprar influência política de forma a ganhar privilégios e vantagens competitivas. Muitas vezes, elas estão simplesmente a tentar ter alguma segurança contra a possibilidade de se tornarem alvo ou vítimas da intervenção governamental, e na maioria dos casos isto é, pelo menos, uma motivação adicional. A linha entre comprar influência indevida e tentar proteger a sua existência é definitivamente muito ténue.

A semana passada, a PIMCO também contratou Bernanke como "consultor". A empresa já tinha anteriormente contratado o seu antecessor, Alan Greenspan. Mais uma vez, os comunicados de imprensa e as declarações acerca desta notícia são hilariantes, embora a PIMCO admita, pelo menos, que a contratação tem algo a ver com o seu emprego:

"O antigo presidente da Reserva Federal Ben S. Bernanke vai juntar-se à Pacific Investment Management Co. como consultor sénior”, o segundo acordo de consultoria da empresa com um gestor de renome em outras tantas semanas.

Bernanke vai contribuir com o seu conhecimento económico para o processo de investimento da firma, revelou na passada quarta-feira a empresa sedeada em Newport Beach, Califórnia. Bernanke discursou anteriormente na conferência da Pimco em março, e forneceu conselhos durante os dois últimos fóruns económicos trimestrais que conduzem a estratégia de investimento.

"Somos da opinião que os nossos clientes esperam isto da nossa parte — temos uma longa história de atrair talento e contribuidores de topo", afirmou o diretor de investimento do grupo, Daniel Ivascyn, durante uma entrevista telefónica. "Obviamente, a sua experiência com o banco central é importante neste momento, dada a situação em termos do ciclo económico dos EUA, mas estamos entusiasmados com a sua capacidade em fornecer uma grande variedade de contribuições para a nossa estratégia."

Na Pimco, que sofreu quebras recorde no seguimento da saída, no ano passado, do cofundador Bill Gross, Bernanke vai também ter contacto com os clientes. O economista de 61 anos, que liderou o banco central durante a mais grave quebra económica nos EUA desde a Grande Depressão, juntou-se à Citadel este mês, para aconselhar nos campos da política monetária, mercados financeiros e economia global.

Bernanke está a trabalhar apenas com estas duas firmas, de acordo com DJ Nordquist, diretora de comunicação da Brookings Institution em Washington, da qual o economista é membro. Bernanke permanece como empregado permanente da Brookings, concluiu.

Todos estes comentários acerca da vontade em obter acesso aos “conhecimentos económicos” de Bernanke são uma piada, na nossa opinião. Como já dissemos, mais valia à Citadel e à PIMCO cometerem “seppuku”, se é mesmo isso que tinham em mente quando o contrataram. Também nos questionamos como alguém poderá ter três exigentes cargos em simultâneo, e esperar ter um bom desempenho em todos eles. A última vez que reparámos, o dia ainda tinha apenas 24 horas.

切腹 (Seppuku) – Ou o que poderia acontecer se alguém realmente contratasse Bernake pela sua “perícia económica”.

A constante onda de desculpas de Bernanke sob ataque

Parece que os esforços de Bernanke enquanto bloguista não são tão apreciados como ele possivelmente esperaria. Durante um tempo, ele e Larry Summers aborreceram os leitores com as suas discussões acerca da ressuscitação da teoria da "estagnação secular", impulsionada por Summers. Talvez venhamos a escrever sobre isto mais detalhadamente, mas entretanto apenas queremos apontar para a enorme ironia que é ter duas pessoas que foram fulcrais para arruinar a integridade estrutural da economia com as políticas que defenderam e implementaram, e que estão agora a discutir acerca do quão desolada é a paisagem económica que deixaram atrás de si.

Intermitentemente, Bernanke continua a apontar para a ocasional desculpa do banco federal, no processo de se absolver de qualquer responsabilidade pelo estado da economia. Surpreendentemente, o Wall Street Journal apontou baterias a este hábito. Embora o jornal não chegue a admitir a futilidade do planeamento central por parte das autoridades monetárias, o artigo contém algumas afirmações que são invulgarmente honestas. Isto é invulgar porque a arquitetura moderna de planeamento económico central é raramente questionada nos meios de comunicação que chegam ao grande público. Algumas citações pertinentes:

“A teoria do Sr. Bernanke é que se a política monetária pós-crise está a funcionar, então que se faça mais do mesmo. E se não está a funcionar, então que se faça mais do mesmo, também.

[Mas] talvez Ben devesse consultar Stanley Fisher, o atual vice-presidente do banco federal, que recentemente disse na CNBC que "vamos mudar a política monetária do extremo mais expansionista que tivemos em toda a história, para uma política monetária extremamente expansionista." Isto não soa como um regresso ao dinheiro escasso. Levantar as taxas do zero significa iniciar um retorno inevitável à normalidade monetária que permite aos mercados estabelecer as taxas e alocar capital.

Podemos compreender que o Sr. Bernanke não goste de ser conotado com qualquer responsabilidade pelos pobres resultados económicos. Ele também se absolveu de quaisquer erros antes da crise financeira. Mas, mais cedo ou mais tarde, ele e o banco federal terão de parar de utilizar a crise financeira como desculpa "todo-o-terreno" para o lento crescimento.

Como pode ver, o autor deste artigo de opinião do Wall Street Journal ainda está à espera de um mundo no qual os "mercado estabelecem as taxas e alocam capital". Ele não oferece qualquer explicação sobre como é suposto tal mundo emergir num sistema monetário direcionado pelo banco central. Ainda assim, o facto de o autor indicar que Bernanke e o banco federal partilham pelo menos alguma responsabilidade pelo pobre desempenho da economia é já de si surpreendente. É talvez um sinal subtil de uma mudança no sentimento social. Um dos "heróis" do passado está subitamente em risco de ser empurrado do seu pedestal.

Conclusão

Neste artigo tentamos fornecer provas que mais um herói do mercado financeiro poderá estar em risco de perder o seu estado de graça. Isto já aconteceu ao seu antecessor Alan Greespan, que tem vindo gradualmente a ser despromovido de "maestro" a "irresponsável soprador de bolhas". A reputação de outro ícone, Warren Buffet, está também em perigo, à luz do facto bem documentado de que exerceu influência para assegurar o resgate de empresas nas quais tinha um grande investimento.

Isto é interessante sobretudo de uma perspetiva sociológica, e também na relevância indireta sobre os mercados financeiros. Na verdade, isto indica que a bolha possa estar cada vez mais sobre a corda bamba. Desde que a persistência do mercado não esteja em causa, as figuras públicas que estão associadas com esta tendência tendem a ser veneradas. Quando a tendência muda ou está prestes a mudar, o sentimento público altera-se para pior e estas figuras veem-se subitamente alvo de ataques. Neste sentido, os veredictos menos abonatórios que têm surgido em relação a Ben Bernanke podem ser encarados como um sinal de aviso para o que está para vir.

Por favor, descreva o erro
Fechar