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Conheça a história de mulheres que foram radicalizadas e se juntaram ao autoproclamado Estado Islâmico. Quais terão sido os seus motivos? Como serão agora as suas vidas?

“Dei os meus pequenos passos… Estava a tremer. Nervosa. Assustada…” A prosa de Shams lê-se ao estilo de um romance barato, à medida que ela descreve os mais ínfimos detalhes do primeiro encontro com o homem que viria a ser o seu marido.

“Após alguns minutos, levantei o meu véu. Ele olhou para mim, e os nossos olhos cruzaram-se. O meu coração palpitava mais depressa que a velocidade da luz. Ele sorriu. E perguntou uma questão que nunca esquecerei até ao resto da minha vida. “Podemos casar-nos hoje?””

Mas este não é o típico conto de fadas, e não existe um final de “viveram felizes para sempre”. Este é um texto de Shams, uma mulher que se autointitula “O Pássaro de Jannah” e que mantém um blog que os peritos consideram ser uma empolgante, e perigosa, ferramenta de recrutamento para o grupo terrorista ISIS.

Shams – um nome fictício – é uma das cerca de 550 mulheres ocidentais que se estima terem abandonado as suas famílias para viajar para a Síria e Iraque e se juntarem ao Estado Islâmico.

Intrigados pela “vaga sem precedentes de recrutas femininas” para o Estado Islâmico, os Investigadores do Instituto de Diálogo Estratégico (ISD), em Londres, estão a seguir mais de 100 mulheres através de plataformas online, como o Twitter, Facebook, Tumblr e vários blogs. A base de dados do ISD, a maior deste género, oferece uma perspetiva única sobre a vida quotidiana das mulheres da ISIS.

A instituição espera que o estudo da forma como as mulheres são utilizadas pelos grupos terroristas permita aos analistas compreender melhor o funcionamento destas organizações, e assim também perceber qual a melhor forma de os combater.

“[O estudo] desmente todos os estereótipos”, afirma a investigadora Erin Saltman. “As idades variam entre os 13 e os 40, com uma variedade de níveis de educação, profissões e famílias. É bastante complexo”, revela.

A CNN obteve acesso ao novo relatório desta instituição, que desenha a imagem de um grupo diverso de mulheres de diferentes idades e passados, que desempenham uma variedade de funções para o grupo terrorista que agora controla grande parte da Síria e do Iraque.

Então, quem são as “mulheres do Estado Islâmico”?

A Blogger

Apesar do seu notório perfil online, os pormenores acerca da verdadeira identidade de Shams são escassos. Várias pistas sobre o seu passado sugerem que ela tem 27 anos e que vem originalmente da Malásia, apesar de ter ascendência indiana e paquistanesa.

Com formação em medicina, Shams deixou para trás a sua vida anterior para recomeçar sob o regime da ISIS, onde afirma ser responsável por uma clínica de saúde para mulheres e crianças. Aí dá consultas pré-natais, receita antibióticos e administra vacinas.

A CNN não foi capaz de verificar a veracidade destas afirmações, e não obteve resposta aos seus vários pedidos de entrevistas.

O que transparece do blog é a sua reverência para com o Estado Islâmico. O seu relato é como uma história de amor: como encontrou a fé, a irmandade e o amor na Síria.

Grande parte da sua história lê-se como uma ficção romântica, que cria constante expectativa nos seus leitores – como quando o seu marido, supostamente um combatente do Estado Islâmico que veio de Marrocos, não responde às suas mensagens quando está no campo de batalha. “Promete-me que vais esperar até ao nascimento do nosso bebé… Promete-me que sobrevives até lá?” pergunta ela. “In Sha Allah [Se Deus quiser]”, responde o seu marido.

Shams descreve a sua vida no Estado Islâmico como uma utopia, deixando listas de “benefícios” para os combatentes estrangeiros (como casa e tratamento médico gratuitos) e oferecendo dicas sobre o que levar para a Síria: “tragam boas roupas e boas botas, porque vão ficar desiludidos com a qualidade daqui.”

Mas a realidade da vida no território do Estado Islâmico é desoladora e, enquanto mulher no meio de uma zona de guerra, ela reconhece o destino sinistro e “predeterminado” que espera o seu marido no campo de batalha, partilhando uma fotografia com uma legenda arrepiante: “Até que o martírio nos separe.”

As raparigas de escola

Há poucos meses atrás, os tweets de Amira Abase não eram diferentes dos de uma típica adolescente de Londres – que ténis comprar: Vans; o seu clube de futebol preferido: Chelsea; a sua disciplina mais odiada na escola: estatística.

Porém, a partir de janeiro, o perfil online da adolescente de 15 anos começou a ser alimentado por uma vaga constante de comentários acerca dos refugiados na Síria. Muitos desses comentários eram dirigidos a Khadiza Sultana e Shamima Begum, duas das suas colegas de turma na escola Bethnal Green, em Londres.

“É um processo de radicalização muito veloz”, explicou Melanie Smith, investigadora do ISD que seguiu as pisadas online de Abase, para tentar perceber como é que as raparigas mais jovens são atraídas pelo ISIS. “Podemos realmente ver o processo de como ela se tornou mais envolvida em temas políticos, em temas da Síria e até finalmente tomar a decisão de partir.”

Pensa-se que a partida de um colega de turma para a Síria, em dezembro de 2014, tenha estimulado o interesse de Abase, Sultana e Begum em juntarem-se ao Estado Islâmico. Pouco depois desse acontecimento, os tweets de Abase deixaram de ter o típico tom adolescente para se tornarem mais políticos e religiosos.

“Muitas vezes, para as mulheres é um forte impulso emocional que as empurra para um problema global”, afirma Erin Saltman. “Elas observam através desta visão extremista que o mundo está a perseguir a comunidade islâmica, que o mundo é violento contra eles e que o seu papel e a sua função religiosa é o de criar um espaço seguro para todos os muçulmanos… e isto é muito difícil de contradizer. É uma perspetiva do mundo que lhes dá muita força”, explica a responsável do ISD.

Quatro dias mais tarde, as três amigas foram filmadas por uma câmara de segurança no aeroporto, quando partiam para Istambul. Outro vídeo mostrou as raparigas na fronteira turca, a travarem conhecimento com um homem que a polícia afirma ser um contrabandista que as ajudou a entrar na Síria.

As famílias das três raparigas vieram a público apelar para o seu regresso, mas não obtiveram qualquer resposta imediata.

Mais tarde, em abril, um sinal de vida: Abase colocou online, na sua conta do Twitter, uma fotografia de comida – kebabs e arroz – com a legenda “Dawlah Takeaway”. Dawlah significa “estado”, e é frequentemente utilizado pelos seguidores para se referirem ao autoproclamado Estado Islâmico.

Esta semana, os advogados das famílias das raparigas divulgaram um comunicado afirmando que algumas delas entraram em contacto com as suas famílias:

“Elas informaram que estão seguras e em bom estado de saúde, mas que já não estão juntas… e que é improvável que regressem ao Reino Unido num futuro próximo.”

A recrutadora

A família de Aqsa Mahmoud acredita que a sua filha é parcialmente responsável por atrair Abase, Sultana e Begum para a Síria.

Mahmoud tinha 19 anos em novembro de 2013, quando saiu da sua casa na parte abastada de Glasgow, na Escócia, disse adeus ao seu pai, como em qualquer outro dia, e desapareceu. Quatro dias depois, Mahmoud telefonou aos seus pais quando estava a atravessar a fronteira para a Síria.

Desde que chegou, Mahmoud tem colocado posts regulares no seu blog do Tumblr, encorajando outras raparigas a virarem as costas às famílias e a juntarem-se à jihad. Algumas mensagens parecem os escritos de um fanático, enquanto outras são puramente “adolescentes”.

“Uau wallahiil Adheeem [juro por Deus] a melhor piada desta semana”, podia ler-se num dos seus posts, em resposta a uma sugestão de que as autoridades britânicas poderiam confiscar os passaportes de todos os que tentassem juntar-se ao Estado Islâmico.

A conversão de Mahmoud ao extremismo chocou os seus pais, que insistem que ela cresceu como qualquer outra criança. “Ela foi a melhor filha que poderíamos ter”, afirmou o pai à CNN. “Não sabemos o que lhe aconteceu.”

Num comunicado divulgado aquando do desaparecimento das adolescentes de Bethnal Green, a família de Mahmoud deixou-lhe uma mensagem: “És uma desgraça para a tua família e para as pessoas da Escócia”, podia ler-se. “As tuas ações são uma distorção perversa e maléfica do Islão.”

A criança

O ISD afirma que Zaynab Sharrouf colocou esta foto no Twitter com a legenda “a descansar no khilafah, a desfrutar da vida”.

Zaynab Sharrouf não se voluntariou para se juntar ao Estado Islâmico. Ela tinha apenas 13 anos quando o seu pai Khaled Sharrouf, um terrorista condenado, juntou a sua família e – viajando com o passaporte do irmão para fugir às autoridades – deixou a Austrália rumo à Síria.

Apesar de não se ter voluntariado, Sharrouf parece ter-se adaptado à vida no território da ISIS, e o ISD afirma que esta mensagem sugere que ela “identifica-se fortemente com a ideologia violenta e extrema do Estado Islâmico”.

Pouco mais de um ano após ter chegado à Síria, a jovem casou-se com o melhor amigo do seu pai, Mohamed Elomar, um outro combatente do Estado Islâmico originário de Sydney.

Elomar tornou-se uma figura infame na comunicação social australiana ao colocar online fotos onde ele, a sua mulher e os seus filhos seguravam as cabeças decapitadas de vítimas da ISIS. Além disso, também afirmou ter vendido várias raparigas por 2500 dólares cada uma.

O ISD afirma que quando chegou à sua nova casa de Raqqah, as mensagens de Sharrouf refletiam “os gostos e aspirações de uma rapariga adolescente educada no Ocidente” – por exemplo, ser viciada no seu iPad e querer um Lamborghini cor-de-rosa.

Contudo, pouco depois os seus posts no Twiiter começaram a assemelhar-se à retórica extremista do pai, celebrando abertamente os ataques terroristas do 9/11. Numa mensagem pode ver-se uma “foto de família” das mulheres empunhando armas AK-47 e sentadas num BMW branco. Noutra, a declaração: “eu não sou extremista. Eu apenas sigo a Deen” (a palavra árabe para “fé”).

Esta semana, emergiram notícias de que a família poderia estar a pensar regressar a casa, ao que o primeiro-ministro australiano Tony Abbot respondeu com o aviso de que iriam “enfrentar toda a severidade” da lei, caso o fizessem.

As viúvas

Há apenas um ano atrás, as gémeas Salma e Zahra Halane eram adolescentes populares e com sucesso, estudando ciência médica numa escola do norte de Inglaterra.

Mas em junho de 2014, o par de jovens, na altura com 16 anos, deixou para trás uma família muito religiosa para viajar para a Turquia, de onde depois cruzou a fronteira para a Síria.

Segundo o ISD, em poucas semanas as irmãs casaram-se com combatentes do Estado Islâmico. Numa conta do Twitter que se crê pertencer a Salma, a jovem deixa conselhos para outras possíveis recrutas que queiram encontrar um marido no território ocupado pelo autoproclamado Estado.

A instituição afirma ainda que a sua irmã Zahra utiliza o Twitter para celebrar e encorajar a ação dos terroristas islâmicos.

No dia 11 de setembro, ela terá deixado a seguinte mensagem:

“Feliz #9/11 o dia mais feliz da minha vida. Esperemos que mais esteja para vir InSha Allah #IS".

Alegadamente, a jovem também celebrou efusivamente aquando das notícias dos ataques ao Charlie Hebdo, em Paris.

O ISD acredita que os maridos de ambas as jovens foram mortos no passado mês de dezembro. Alegadamente, Zahra anunciou o martírio do seu marido num tweet no dia 6 de dezembro: “Ele era uma benção de Alá… Vou juntar-me a ele muuuuuuuito em breve :’)”.

Menos de uma semana depois, surgiu online um post que se crê ser de Salma: “Que Alá aceite o meu marido… Eu estou entre as esposas de shuhada [mártires] e honrada por ser escolhida”. A CNN não foi capaz de confirmar a autenticidade de qualquer um destes dois comentários.

Crê-se que as raparigas, de ascendência Somali, foram influenciadas pelo seu irmão mais velho, que, segundo as autoridades, viajou para o campo de batalha na Síria em 2013. De acordo com o ISD, o irmão terá entretanto deixado a guerra para trás e vive agora na Dinamarca.

As gémeas têm uma presença desafiadora nas redes sociais, mas os analistas afirmam que frequentemente estes perfis públicos de teor combativo deixam muitas dúvidas. Mas mesmo que as jovens queiram deixar o Estado Islâmico, a verdade é que elas enfrentam uma jornada bem mais dura do que a do seu irmão.

“Se é uma mulher e viaja para o território do Estado Islâmico é 10 vezes mais difícil regressar para a sociedade ocidental”, explica Saltman. “Temos algumas centenas de casos de homens que regressaram, mas para as mulheres é quase impossível. Isto porque elas precisam de uma permissão masculina só para saírem de casa. Precisam de ter uma escolta para andar no exterior. Assim que chegam ao território do Estado Islâmico, o seu passaporte é confiscado. É quase impossível para elas andarem no exterior e conseguirem chegar à fronteira”, conclui.

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