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Muitas marcas lucram devido ao facto de direcionarem uma pequena parcela dos seus lucros para fins de caridade. Será essa forma de negócio eticamente correta?

Imagine uma loja na sua localidade que vende papel higiénico a um dólar por rolo. Cada rolo custa sessenta cêntimos para ser produzido e vendido, o que gera quarenta cêntimos de lucro líquido. Normalmente compra dez rolos por mês, o que dá um total de 4 dólares de lucro para o proprietário da loja.

Agora imagine que um empreendedor, Henry Hygiene, tem uma epifania: o papel higiénico é uma oportunidade de publicitar um estilo de vida de marca massiva e não realizada! Ninguém gosta dele, mas ninguém passa sem ele. Então e se uma marca falasse com o estilo pessoal único do consumidor, a decoração da casa e com o etos? Henry estabelece-se para iniciar essa marca, a “Flush” (de “Puxar o Autoclismo”) e abre uma loja junto à anterior, que disponibiliza rolos com centenas de impressões personalizadas diferentes. Para que a mudança não constituísse um problema para o consumidor, a Flush também vende os seus rolos por um dólar. E Henry ainda acrescenta um “golpe de misericórdia”. Ele anuncia que por cada rolo que vender, irá doar um níquel a uma nova associação de caridade que fornece papel higiénico a órfãos no Bangladesh. Assim, por cada rolo vendido, a empresa terá trinta e cinco cêntimos líquidos, uma quantia menor que a sua concorrente, mas que mesmo assim é um lucro perfeitamente aceitável. Obviamente que a Flush irá promover de forma excessiva o seu modelo de negócio de caridade aos consumidores. Estes irão assimilar a ideia de que comprar produtos Flush significa comprar estilo e justiça.

Algumas pessoas chamam a este estilo de negócio “capitalismo solidário”.

A nova loja é um sucesso inqualificável! Você e qualquer outro cliente troca a antiga loja pela Flush. Por isso, a empresa abre um canal online e vinte localizações a retalho por toda a América. Os seus dez rolos mensais dão atualmente a Henry Hygiene $3,50 e cinquenta cêntimos em papel higiénico a órfãos bengali. Os lucros não param de rolar. Em conjunto, Hygiene leva para casa uns bons milhões e dá $143.000 aos órfãos.

Ao fim de cinco anos com este sistema, uma das principais empresas de papel compra a Flush por $20 milhões, os quais vão todos para Hygiene uma vez que é ele o titular de todo o negócio. Este triunfo do capitalismo solidário aparenta ser uma vitória inqualificável para todos os envolvidos: o consumidor, o Henry Hygiene e especialmente, os traseiros daqueles pobres órfãos, que receberam quase um milhão de dólares em papel higiénico grátis durante a vida independente da Flush.

É compreensível que este tipo de modelo de negócio híbrido se tenha tornado extremamente popular nos últimos anos. Especialmente entre o pessoal da minha geração (tenho 30 anos), parece reconciliar o egoísmo do capitalismo puro e o altruísmo da caridade. A malta da minha idade cresceu com uma visão mais ampla e integrada do mundo do que os nossos antecessores. Tragédias internacionais atingem os nossos dispositivos móveis com vídeos de alta resolução meros momentos depois de serem publicados. E a recessão de 2008 prendeu-nos às consequências dos excessos capitalistas sem restrições. As elites entre nós examinaram diretamente o superficialismo das indústrias financeiras e surgiram a querer mais, a querer significado. E os nossos colegas menos privilegiados sofreram com um mercado de trabalho mais enfraquecido por desequilíbrios sistemáticos e transformações estruturais. Estas experiências fizeram-nos desejar uma economia que faça o bem.

Infelizmente, não acredito que o “capitalismo solidário” seja a solução. E não estou sozinho.

Slavoj Zizek

O filósofo Slavoj Zizek e outros criticaram persuasivamente estes modelos de negócio parcialmente caridosos por absolver falsamente os consumidores da sua participação na desigualdade global. Com base neste argumento, algo como a Flush está efetivamente a vender aos consumidores papel higiénico e uma indulgência moderna (muito ao bom e velho estilo cristão), sem intervir de forma significativa no verdadeiro problema (neste caso, na ausência de saneamento moderno no Bangladesh). Existe alguma verdade nisto, mas parece-me mais um caminho perigoso para um argumento menos defensável: de que a caridade é inevitavelmente imoral por estar aquém da revolução de que realmente precisamos. Certamente que queremos pessoas que tentem o seu melhor para fazer o bem no mundo, e claro que a maior parte desse esforço não produzirá soluções grossistas para desafios globais imensos.

O que para mim é mais inaceitável nos modelos de “capitalismo solidário” é que muito provavelmente estes produzem muito mais valor por venderem as desgraças dos seus beneficiários ostensivos do que o valor que lhes é passado. E para mim isso é falta de ética.

Voltando ao exemplo da Flush, é óbvio que Henry Hygiene está a proporcionar aos seus consumidores pelo menos duas boas razões para comprarem o seu produto:

  1. Tem estilo
  2. Cinco cêntimos de cada venda vão para crianças pobres.

O problema é que é difícil dizer ao certo quanto do seu negócio é que deveria ser atribuído a cada um destes diferenciais. Se considerarmos que todo o rendimento que o Hygiene cria é adicional (relativamente ao seu ponto de iniciação que era sem qualquer rendimento), penso que é seguro assumir que a “questão crianças pobres” está a levar pelo menos alguma percentagem desse valor adicional, por muito genuíno que possa ser. Digamos que está a incitar dez porcento das decisões dos consumidores, então acho que é totalmente justo que dez porcento dos lucros líquidos vão para as crianças pobres. E dez porcento do valor da empresa também devia ser para essas crianças!

Certo? O princípio geral que eu gostaria então de propor é o seguinte:

Cem por cento do valor adicional gerado por um negócio com um modelo de caridade devia ser doado. Aqui estão incluídos o valor da empresa adicional realizado na altura da liquidação da empresa (venda, Oferta Pública Inicial, etc).

Todo e qualquer negócio de “capitalismo solidário” que não siga este princípio está a expropriar valor das comunidades que eles afirmam estar a beneficiar. E isso é errado.

Já estou a antecipar a sua objeção: isso não é melhor do que nada? Imagine que a Flush não dava nada. Quem é que pode dizer que isso seria melhor para o mundo? Se os empresários estão amavelmente a querer doar alguns dos seus lucros a causas justas para quê estar a arranjar distinções desnecessárias em relação aos seus procedimentos para fazer tal ato?

A minha réplica pode ser resumida numa única pergunta: e se a Madre Teresa conduzisse um Ferrari? Ficava um pouco incomodado, não? Claramente que é incomodativo porque sentiríamos que ela estaria a aplicar mal o dinheiro que lhe tinha sido dado. O dinheiro tinha sido dado para ajudar os pobres, não para comprar carros luxuosos. Obviamente que reconhecemos que ela precisava de algum desse dinheiro para sustentar uma ação efetiva e estilo de vida modesto, mas até a um certo limite. Esperaríamos que ela melhorasse mas de forma a utilizar o dinheiro ao máximo para ajudar a sua comunidade.

Neste modelo capitalista solidário esta lógica é baralhada, mais uma vez, pela incapacidade de se saber ao certo quanto valor adicional é gerado por apelos caridosos. Será que a miséria dos miúdos pobres comprou o Ferrari do Henry Hygiene, ou terá sido a sua marca inteligente? É impossível saber, e esta incerteza expõe uma fraqueza moral.

Existe uma solução muito simples para os capitalistas solidários: não publicitem um modelo caridoso. Venda produtos e serviços pelos seus próprios méritos, tal como qualquer outro negócio, e ao final do dia, ou doe uma porção dos seus rendimentos em nome da empresa, ou doe a sua parte desses rendimentos pessoalmente.

Esta crítica específica está relacionada com a ampla acusação de que os empresários de Silicon Valley de hoje fizeram da máxima “tornar o mundo num lugar melhor” um cliché. Evidentemente que ninguém devia contestar esse objetivo; aliás, todos nós devíamos aspirar fazê-lo. Mas penso que as pessoas começaram a ficar frustradas com quais os projetos devem cooptar a linguagem da caridade. Hoje em dia ninguém quer seguir um modelo de negócio ganancioso; até no Jay-Z, que em tempos desenvolveu a versão mais aspirante de ganância e de glorificação pessoal, essa imagem parece velha.

Será que precisamos mesmo de criar um espaço cultural mais favorável ao negócio de modo a que este se possa tornar lucrativo por mérito próprio de maneira a que as pessoas que queiram enriquecer não precisem de estar sempre a criar a imagem de altruístas? Há algo de atraente na clareza dos capitalistas cruamente ambiciosos relativamente aos confusos empresários filantropos. Será que preferimos uma cultura em que vários modos de respeitabilidade sejam compatíveis com papéis sociais importantes?

Com a comunicação, a computação, o trabalho e o capital a tornarem-se por fim verdadeiramente globais, pressinto que estas questões se tornarão cada vez mais importantes. Estamos no processo de incluir a maioria dos seres humanos na sociedade global e a cultura que este processo ativa deverá validar uma grande diversidade de atividades comerciais e não comerciais. Suspeito que o “capitalismo solidário”, seja um artefacto revelador e nada atraente das nossas tentativas futuras para resolver os problemas urgentes do mundo.

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