A política dos EUA tornou-se um circo perigoso
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Maravilhe-se com o incrível espetáculo. Depois preocupe-se. A política norte-americana fez uma viragem perigosa.

Os rivais entraram no ringue a mostrar os seus músculos. Os abusos verbais estão no auge. A 1 de fevereiro, o estado de Iowa vai receber uma convenção aberta de partidos, a primeira etapa das eleições presidenciais dos EUA. Uma semana mais tarde os eleitores vão reunir-se em New Hampshire para as primárias. A partir daquele momento a disputa vai avançar na direção da "Super Terça-feira" no dia 1 de março, quando serão eleitos candidatos regionais, e depois, em julho, os representantes dos partidos serão confirmados formalmente. Esta é a maior campanha eleitoral do mundo. E não está a ir no caminho certo.

Em todos os Estados Unidos, as elites políticas e os eleitores moderados não sabem em quem confiar. Hillary Clinton que ocupa uma posição tão importante no poder como o monumento a George Washington, encontra-se sob pressão de Bernie Sanders, o senador rabugento do estado de Vermont que se considera um socialista democrata. No esquadrão à direita estão Jeb Bush, Marco Rubio e John Kasich etc. que ficam silenciados por escárnios de Ted Cruz e inundados por discursos extensos e tumultuosos de Donald Trump.

Originalmente previa-se uma escolha entre Bush e Clinton — e esperava-se que o processo fosse mais parecido com uma coroação do que eleições. Em vez disso, a corrida pelo cargo mais poderoso do mundo é liderada por forasteiros que de repente se tornaram mais populares do que em qualquer campanha no último meio século. América, o que é que está a acontecer?

Maior e mais impetuoso

Os Estados Unidos não são o único país onde as autoridades se encontram em apuros. O Partido Trabalhista do Reino Unido está preso a um homem ainda mais esquerdista do que Sanders. Na primeira volta das recentes eleições regionais na França, a Frente Nacional da extrema direita conseguiu bastantes votos. Os populistas estão a liderar as intenções de votos na Holanda e lideram a Polónia e a Hungria. Na politicamente correta Suécia, os nacionalistas estão a liderar as sondagens com uma vantagem de 30%.

Assim como os eleitores no Ocidente, os norte-americanos estão zangados — muitas vezes pelas mesmas razões. Durante muitos anos, a maioria deles afirmaram que o país estava a ir na direção errada. Os salários medianos estagnaram mesmo quando os rendimentos do topo do poder subiram. Os medos culturais agravam os medos económicos: em 2015, uma sondagem do centro norte-americano Pew mostrou que os cristãos tornaram-se numa minoria nos Estados Unidos. E nos últimos meses, os receios de terrorismo adicionaram um ingrediente ameaçador ao cocktail populista.

Embora as tendências sejam comuns, o populismo nos Estados Unidos é especialmente potente. A Europa está acostumada a um declínio gradual. Mas como única superpotência, os Estados Unidos não conseguem aceitar o crescimento da China e a expansão de jihadismo dos territórios do Médio Oriente onde o país derramou o sangue dos seus soldados e gastou millhares de milhões a tentar restabelecer a paz. Quando Trump promete "tornar os Estados Unidos grandes de novo" e Cruz jura que as areias do Iraque e da Síria vão "brilhar na escuridão", eles estão a referir-se aos tempos da queda da União Soviética, quando os EUA desfrutavam de poder infinito.

A segunda razão é que, nos Estados Unidos, os forasteiros estão a canalizar a raiva do povo no apoio ao seu duopólio político. Na Europa Trump e Sanders teriam que fundar os seus próprios partidos de oposição que deveriam, inevitavelmente, lutar para conseguir o alto cargo. Mas o sistema bipartidário dos Estados Unidos sugou Sanders que aderiu aos democratas no ano passado e Trump que reingressou no Partido Republicano em 2009. Se eles ganharem nas primárias, vão controlar máquinas políticas desenhadas para catapultá-los diretamente para Casa Branca.

A terceira explicação está relacionada com as duas anteriores: as elites não conseguem gerir facilmente a democracia rouca dos EUA. As insurgências populistas estão escritas no código-fonte de Estado que começou como uma revolta contra uma elite distante do povo e autoritária. O colégio eleitoral tira o poder do centro: nas primárias vão participar apenas 20% dos eleitores mais empolgados pela política. Os candidatos com o dinheiro por trás deles — o próprio no caso de Trump e o de mais alguém no caso de Cruz — podem zombar da administração do seu partido.

Consequentemente, os populistas e candidatos que se opõem ao status quo, aparecem muitas vezes nas corridas presidenciais norte-americanas. Mas com o espetáculo emocionante a desenrolar-se, os eleitores chegam relutantemente a compromissos com a realidade e os candidatos mais polémicos tendem a desaparecer. Isto acontece normalmente bastante cedo (Pat Buchanan, um republicano odioso que prometeu uma "rebelião com forquilhas" em 1996, ganhou nas primárias em New Hampshire, mas saiu da corrida até ao final de março). Em ocasiões raras, quando os insurgentes conseguiram a nominação, eles colapsaram nas eleições gerais: em 1964, Barry Goldwater perdeu em 44 dos 50 estados. Aqueles que ficaram como candidatos independentes (como Ross Perot em 1992) também falharam — e isto não prenuncia nada de bom para Michael Bloomberg.

Para os Democratas, é provável que a história se repita em 2016. Mesmo se Sanders ganhar no estado de Iowa e New Hampshire, é difícil acreditar que ele continue a prosperar enquanto a corrida se dirige para os estados do Sul cheios de delegados. Clinton tem dinheiro, experiência e apoio dos democratas negros. As sondagens nacionais dão-lhe 15 pontos a mais em comparação com Sanders.

Mas as coisas podem realmente ser diferente para os Republicanos. A popularidade de Goldwater vem tarde; Trump hipnotizou a multidão e foi recompensado nas sondagens desde julho. Alguns republicanos populares que detestam Cruz até mais do que desprezam Trump, inclinaram-se para o lado do milionário. Talvez no dia decisivo as pessoas não apoiem nenhum dos forasteiros; talvez os dois usem bastante veneno para se destruirem um ao outro; talvez o que restou do orçamento de guerra de Bush deixe tempo para a elite se unir num contra-ataque. Mas agora ambos os populistas têm a chance de levar a sua candidatura até à convenção e mesmo vencer a nomiação no caso de um acordo nos bastiadores.

Uma nação dividida ao meio

Esta perspetiva é muito preocupante. Nem Trump nem Cruz oferecem economias coerentes ou políticas sábias. Ninguém passa no teste de caráter. No entanto, simplesmente pelo facto de estarem na cédula em novembro, os dois estão perto da presidência.

Os candidatos têm probabilidades de sucesso quase iguais e o resultado será determinado por poucos votos em alguns estados. Clinton não é muito boa a realizar campanhas, enquanto Trump e Cruz são. Nas suas declarações mais recentes, Trump conseguiu agradar tanto aos apoiantes de direita quanto aos de esquerda. Ele conquistou votos ao irromper descaradamente no centro. Nesta corrida eleitoral muito disputada, o fator decisivo poderá ser um atentado terrorista ou um escândalo que ocorra na véspera das eleições.

O pessimismo em relação aos Estados Unidos é equivocado. A economia está em melhor forma do que a de qualquer outro país grande e rico; a taxa de desemprego está baixa, bem como a de criminalidade violenta. Porém, os republicanos comuns julgaram tanto Barack Obama que agora não têm com que responder a Trump e Cruz. Se alguém tiver que se arrepender de algo, são eles.

Fonte: The Economist

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