Como a Europa vê Donald Trump
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Donald Trump foi descrito como um demagogo ríspido em França, comparado ao Pato Donald na Espanha, e descrito como pior do que Lord Voldemort no Reino Unido.

Na Europa, o local de nascimento do movimento Iluminista, Donald Trump tem sido tratado como uma curiosidade perturbadora ou uma figura de entretenimento. Quase todas as suas ações e ditos são relatados de Paris a Helsínquia, mesmo enquanto comentadores políticos tanto da esquerda como da direita rejeitam de que a sua possível futura presidência seja uma mera fantasia, ou pior, o resultado de uma momentânea falta de juízo dos eleitores.

Tal está a mudar. Com uma série de vitórias em estados fundamentais para os Republicanos, e com as expectativas de bons resultados nas primárias em 12 estados de hoje (1 de março), os media europeus, tal como os americanos, estão a ajustar-se à perspetiva de uma vitória de Trump aparentemente imparável. A reação é uma mistura de raiva e pânico, misturados com alguma admiração vinda de fontes inesperadas.

E sátira. O jornal espanhol El País recentemente publicou uma carta imaginária para o túmulo em que Filipe II, (Filipe I de Portugal), rei espanhol que esteve à frente de um império vastíssimo, aconselha Trump.

Notando que a sua nação também sofreu por cidadão alienados terem exigido o aumento das suas liberdades e por terroristas muçulmanos se terem disfarçado de cidadãos pacíficos, o rei aconselha Trump a “trazer de volta a Inquisição”.

A cara incomparável de Trump aparece frequentemente nas capas dos jornais. A cobertura tende a focar-se nos seus ditos mais polémicos em vez de numa análise muito mais séria sobre como uma presidência de Trump, ainda encarada com horror por muitos, pode afetar a diplomacia internacional. O reconhecimento de Hillary Clinton ainda fascina, assim como a ascensão surpresa do seu rival democrata, Bernie Sanders. Mas Trump fica com a maioria das manchetes.

Jakob Nielson, o editor online e ex-chefe de escritório em Washington do Politiken, um jornal dinamarquês influente, afirmou que os inicialmente os editores não levaram a candidatura de Trump a sério e estavam incrédulos quando os correspondentes do jornal nos EUA começaram a escrever artigos dizendo que ele poderia ganhar as primárias Republicanas.

“À medida que Trump subiu e venceu as primeiras primárias, a cobertura passou de fascínio a fúria”, diz ele a partir de Copenhaga. “Há uma sensação de choque após termos visto Trump subir graças a uma retórica quase fascista.”

“Refletindo essa descrença, um cartoon no Politiken na semana passada mostrou um casal num sofá a vir uma reportagem da CNN é que se perguntava ‘Irá Trump ganhar?’ “O marido incrédulo diz à sua esposa: “Isto é demasiado irreal. Não poderíamos ver antes algo mais realista como o ‘Star Wars’?”

“Isto é demasiado irreal. Não poderíamos ver antes algo mais realista como o ‘Star Wars’?”

A irreverência tóxica de Trump tem ajudado a fazer face ao criticismo. Ele conseguiu provocar a ira dos media – e de responsáveis em Londres e Paris, após ele ter descrito os subúrbios das cidades como zonas em que a polícia não entra. No Reino Unido, os seus publicitados comentários de que os muçulmanos estrangeiros não deveriam ter permissão de entrar nos EUA provocou tamanha fúria que os deputados debateram uma petição, assinada por mais de 580.000 pessoas, para o impedir de entrar no país.

Mr. Trump’s toxic irreverence has helped fan the criticism. He drew the ire of the press — and officials in London and Paris — after he described neighborhoods in their cities as no-go zones for police. In Britain, his widely reported comments that foreign Muslims should not be allowed to enter

Na Alemanha, que tem desempenhado o papel de voz moral da Europa nos últimos meses após a decisão da chanceler Angela Merkel de não limitar o número de migrantes que se podem candidatar a silo, a página frontal de uma recente edição da influente revista Der Spiegel, mostra Trump com uma bandeira americana em chamas por detrás dele. O título é “Loucura: o agitador da América”.

O título é “Loucura: o agitador da América”.

Um comentário no Bild, um tabloide populista alemão, recentemente realçou que a maioria dos alemães não sabia dizer que iria concorrer às eleições estatais de março, mas estava a seguir a campanha das eleições nos EUA.

Com todas as suas provocações, a capacidade de Trump de exprimir a fúria visceral dos norte-americanos, abalados pela instabilidade económica e globalização, tem um efeito profundo na Europa, onde cidadãos do Reino Unido à França e Hungria também se voltaram para políticos insurgentes na extrema-direita ou extrema-esquerda para exprimir o desagrado em relação ao mainstream político.

Jaroslav Plesl, o editor de Mlada fronta Dnes, um popular jornal checo, afirmou numa entrevista que a vontade de Trump de destronar o status-quo político, até o seu próprio partido, tornou-o numa espécie de herói popular na Europa central e de leste entre as pessoas que estavam desiludidas com a ordem política pós-1989. Comparando o apelo de Trump ao de Ronald Reagon, ele argumentou que o candidato estava a atrair fãs com a sua habilidade e carisma.

“As elites em Praga irão desdenhar dele por ser estúpido e um mau exemplo, mas os checos em geral, como excluídos, gostam de Trump”, disse ele. “Para muitos jovens que adoram a cultura popular norte-americana, Trump significa valores americanos, como o negócio do espetáculo e trabalhar no duro para obter sucesso.”

Outros nos media noticiosos da Europa, contudo, exprimiram choque em relação ao estilo de Trump de políticas incendiárias, particularmente os insultos que ele lançou às minorias, muçulmanos, méxicos, mulheres e deficientes. A Europa tem o seu próprio leque de figuras de extrema-direita anti-imigrantes, de Marie Le Pen da Frente Nacional de França a Nigel Farage, do Parido da Independência, do Reino Unido.

Trump tem maior popularidade na Rússia, em que as afinidades entre o americano e o presidente Vladimir Putin tem feito com que o primeiro seja elogiado no país. O canal noticioso Russia Today, ou RT, homenageou os talentos de Trump e publicou um artigo interativo intitulado “Sobre as melhores formas de ser ofensivo ao estilo de Trump”. Entre os insultos realçados estava o ataque de Trump ao ex-deputado Barney Frank, referindo-se àquilo a que Trump chamou “os seus mamilos protuberantes”.

“Independentemente de o adorarmos ou detestarmos, o Republicano tem uma capacidade única de criar uma resposta explosiva sempre que ele se aproxima de um teclado”, disse a estação noticiosa, que é financiada pelo Kremlin.

Acrescentando aos fãs de Trump n Europa, o pai de Marie Le Pen, Jean-Marie Le Pen, antigo líder da Frente Nacional, escreveu no Twitter no sábado: “Se eu fosse americano votaria Donald Trump… mas Deus o abençoe!”. Le Pen, de 87 anos, foi condenado várias vezes por incitar ódio racial.

Em contraste, o jornal francês de inclinação esquerdista Libération exprimiu confusão em relação à ascensão de Trump. Sob o título “Trump, de Pesadelo a Realidade”, recentemente notou que parece que não há nada que possa impedir Trump de vencer a nominação Republicana. “E isto apesar das suas alarmantes declarações racistas e sexistas.”

Na Alemanha, Trump parece ser demasiado radical, até mesmo para o Bild. O jornal publicou um recente comentário por Franz Josef Wagner, antigo editor do jornal, que escreveu: “O lado feio da América não está morto, nem o lado feio da Alemanha”. Ele comparou Trump ao político alemão Frauke Petry do partido de direita Alternativa para a Alemanha, que apelou a que a polícia disparasse sobre pessoas que tentassem atravessar as fronteiras ilegalmente.

“Em que espécie de mundo é que nós viveremos”, ele pergunta, “se estas pessoas chegarem ao poder?”

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