Estes políticos nacionalistas têm-se tornado proeminentes pela longa estagnação económica que se seguiu à crise financeira de 2008.
Com o volume de indignação será de pensar que os europeus nunca tiveram de lidar com um Donald Trump. O jornal francês Libération intitulou-o de “O pesadelo americano”. O semanário Der Spiegel apresentou uma capa com chamas a subirem pela bandeira americana acima (na versão online o fogo era animado). Há um crescente alarmismo nos media do continente, para qualquer lado que se olhe, com a possibilidade de Trump se vir a tornar Presidente dos EUA.
No entanto, por muito que as manchetes o tornem um fenómeno americano Trump encaixar-se-ia muito bem na Europa. A sua mistura de nacionalismo nativo e protecionismo económico tem-se revelado uma fórmula vencedora para os partidos de extrema direita do continente. A ascensão de Trump é uma reminiscência de Jean-Marie Le Pen, que surpreendeu os meios de comunicação e classe política francesa quando chegou à segunda volta das eleições presidenciais francesas em 2002. O antigo paraquedista que questionou a importância histórica do Holocausto foi considerado pouco convencional, demasiado bruto – e, francamente, demasiado racista – para alguma vez vir a ter alguma hipótese no mais alto cargo do país.
Os eleitores decidiram de forma diferente. No momento em que os votos foram contados, o candidato rejeitado como uma piada tornou-se um dos candidatos presidenciais.
“Eu avisei: ‘Tenham cuidado, ele ainda ganha.’” – Relembra Christiane Chombeau, que na altura cobria o movimento político de extrema-direita no Le Monde. “Mas ninguém acreditou em mim. Diziam: ‘Não te preocupes, não irá acontecer.’”
Le Pen perdeu a eleição mas o seu partido tem ganho popularidade desde então – especialmente desde que foi substituído enquanto líder, em 2011, pela sua filha (mas experiente com os media) Marine Le Pen. (A filha expulsou-o do partido no ano passado depois de o mesmo se ter tornado ainda mais incendiário). O Le Pen mais velho gosta do que vê através do Atlântico. A 27 de fevereiro twittou o que equivaleu ao seu apoio ao construtor de Nova Iorque transformado em estrela de TV: “Se eu fosse americano votaria em Donald Trump... Que Deus o proteja.”
Os Euro-Trumps
A emergência daquilo que poderá ser denominado como os Euro-Trumps tem sido impulsionada pela crescente importância da imigração como questão política – alimentada pela sensação de que a União Europeia se tornou insensível à vontade da população. Estes políticos nacionalistas têm-se tornado proeminentes pela longa estagnação económica que se seguiu à crise financeira de 2008.
Os homólogos europeus de Trump contam com o apoio dos perdedores da globalização – os eleitores da classe trabalhadora que se sentem espremidos entre uma elite que não tem os seus interesses e uma classe crescente de imigrantes que não partilham os seus valores. “São as pessoas que sentem que a democracia liberal falhou.” – Afirma Duncan McDonnell, professor de Ciência Política na Universidade de Griffith em Brisbane, na Austrália, e coautor de Populits in Power (Populistas no Poder). “Sentem-se abandonadas e estão prontas para explorar outras opções.”
São tão comuns as posições semelhantes à de Trump na Europa que será mais fácil contar os países que não viram políticos como Trump do que listar aqueles que viram. Em Itália, a Liga do Norte anti-imigração é um bom exemplo. O seu líder no Senado, Roberto Calderoli, comparou publicamente e assumidamente Cécile Kyenge – a primeira negra membro do governo – a um orangotango. Na Finlândia, a versão branda do nacionalismo nórdico do Partido dos Finlandeses levou o seu líder até ao governo enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros. O Partido da Liberdade da Áustria, o Partido Aurora Dourada da Grécia, o Partido do Povo Dinamarquês, os Democratas da Suécia, o Partido Independente do Reino Unido e o Partido do Povo Suíço estão todos a transformar as chamas da xenofobia em sucesso eleitoral.
Comparações
O político europeu com quem Trump é mais frequentemente comparado é o antigo primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Apesar de partilharem um estilo semelhante em termos de apresentação a comparação fica aquém quando se trata de questões políticas. Comportamento pessoal à parte Berlusconi é – na sua mensagem, pelo menos – um conservador tradicional. Trump é vagamente moderado – se não totalmente de esquerda – quando se trata de economia, opondo-se a cortes na Segurança Social e comprometendo-se a proteger os empregos americanos de acordos de livre comércio (enquanto agrupa imigrantes mexicanos com violadores e promete proibir a entrada de muçulmanos nos EUA).
O lugar de Trump no espetro político é mais semelhante ao de Geert Wilders, um parlamentar holandês que construiu a sua carreira a atacar imigrantes em geral e muçulmanos em particular.
“A estratégia de Trump é exatamente a mesma que a de Wilders. Nunca recua. Nunca pede desculpa.” – Afirma Meindert Fennema, que escreveu a biografia do politico holandês. “Os jornalistas dão-lhes muito atenção pois gostariam de matá-los.”
Tal como Trump entre os Republicanos, o partido de Wilders está muito à frente nas sondagens. Com eleições previstas para daqui a um ano na Holanda Wilders poderá receber o dobro dos votos previstos para o seu rival mais próximo.
Se a Europa não se tornou imune à direita radical – mais nenhum lugar se torna
A história política de Wilders é instrutiva. Entrou na política, fanático pelo mercado livre, em 1997. Com o passar dos anos virou-se mais para a esquerda em termos económicos, percebendo que os eleitores estavam mais interessados em proteger as suas carteiras do que em rasgar regulamentos. Mais recentemente, Wilders começou a referir-se ao bem-estar holandês como algo a ser defendido dos imigrantes.
Wilders e Trump partilham o domínio da política de sarjeta e o dom para o insulto bem cronometrado. Certa vez Wilders descreveu o líder da oposição parlamentar como um “Poodle corporativo... A ganir e a fazer xixi numa árvore mas a saltar para o colo do primeiro-ministro à sua chegada.” Numa cultura política geralmente caraterizada pela cortesia, como a holandesa, descreveu discursos no Parlamento como “diarreia” e definiu as mesquitas como “locais de ódio”.
E depois há o cabelo. Wilders ostenta um bouffant imediatamente reconhecível, com ondulações loiras que parecem pintadas por Vincent van Gogh. “É uma ferramenta política muito inteligente.” – Avança Tom-Jan Meeus, colunista político no NRC Handelsblad, um dos maiores jornais do país. “Marca-o como um forasteiro político. É um dos mais antigos membros do Parlamento mas graças ao seu corte de cabelo ninguém irá notar.”
Também Wilders apoiou Trump. No dia após o candidato presidencial republicano ter proposto a suspensão temporária da imigração muçulmana Wilders twittou: “Espero que o @realDonaldTrump seja o próximo Presidente dos EUA. Bom para a América, bom para a Europa. Precisamos de líderes corajosos.”
A versão europeia de Trump
A Europa também pode oferecer uma previsão do que uma presidência Trump poderá ser se este chegar à Casa Branca e cumprir as promessas de campanha. Na Hungria, o governo do primeiro-ministro Viktor Orbán tornou-se incrivelmente autoritário. Recentemente, posicionou-se como defensor do cristianismo contra o influxo de imigrantes muçulmanos, respondendo à maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial com a construção de uma cerca ao longo da fronteira com a Sérvia e aprovando uma lei que torna a imigração ilegal punível com três anos de prisão. Em tempos defensor da democracia – pediu a retirada de tropas soviéticas cinco meses antes da queda do Muro de Berlim – Orbán tem oscilado muito para a direita. Enquanto primeiro-ministro controlou a liberdade de imprensa, minou o equilíbrio de poderes no seu país e decretou o fracasso da “democracia liberal”.
Os sistemas políticos nos EUA e na Europa são muito diferentes. O sistema de votação proporcional em muitos países europeus, por exemplo, torna mais fácil a um pequeno partido unir-se e sobreviver. (Como numa primária presidencial a votação proporcional favorece o surgimento de pontos de vista minoritários fortemente defendidos).
E, no entanto, a lição para os americanos do outro lado do Atlântico é clara. Mesmo que Trump não vença em novembro, a ideologia política que desencadeou – ou expôs – irá dificilmente murchar depois de contados os votos. Se, de todos os lugares, as nações da Europa não desenvolveram anticorpos contra a direita radical nenhum pais poderá esperar ser imune. Caso Trump não chegue à presidência será difícil imaginar que continue em campanha durante décadas, à espera de outra oportunidade. Contudo, o eleitorado que está a construir é capaz de permanecer ativo.