O cerco aperta-se ao redor das empresas de tecnologia - e não apenas nos EUA.
Na sua luta com o FBI quanto ao desbloqueamento de iPhones, a Apple afirmou que deverão ser os legisladores, e não os tribunais, a fixar o rumo da política de encriptação. Trata-se de uma posição arriscada, considerando que a Apple não tem a garantia de que o Congresso venha a decidir a seu favor. Entretanto, legisladores estrangeiros ameaçam complicar a situação. Desenvolvimentos recentes na Europa e na América do Sul revelam o potencial aparecimento de várias políticas nacionais que poderão criar uma situação impossível para as empresas de tecnologia globais. Como poderão atuar em conformidade com leis diferentes, e até mesmo contraditórias, nos muitos países onde atuam?
A discórdia é inevitável - Afirma Rob Knake que trabalhou como diretor de cibersegurança na Casa Branca entre 2011 e 2015. Knake considera que irão surgir problemas políticos mais complicados com governos de países próximos dos EUA a nível cultural e político.
A situação na Europa
Na Europa, a aplicação da lei tem contado com a cooperação do setor privado para a obtenção de dados para investigações policiais. Considerando a sensação de urgência face ao terrorismo na Europa Ocidental poderá ser uma má época para as empresas de tecnologia recuarem. "Serão realmente capazes de resistir à pressão de outras democracias?" Pergunta Knake.
O teste poderá surgir mais cedo do que se espera. Na terça-feira, legisladores franceses votaram esmagadoramente a favor do avanço de um plano que possa punir empresas de tecnologia que não proporcionem acesso a dados encriptados. Conforme as regras propostas, os executivos do setor tecnológico poderão vir a enfrentar multas e penas de prisão. O projeto de lei ainda está a algumas fases de distância de se tornar lei - mas caso seja adotado, empresas na posição da Apple enfrentarão uma série de opções pouco atraentes. Poderão criar dispositivos e serviços com capacidade técnica para cumprir pedidos de dados do governo - uma atitude muito desprezível. As empresas poderão simplesmente retirar-se de França. Ou continuar a funcionar e esperar por um conflito com a aplicação da lei local.
As tensões quanto à encriptação também estão a crescer noutros países. O Reino Unido está a considerar mudanças radicais na sua legislação de vigilância. A introdução de um novo projeto de lei no final do ano passado provocou críticas por não esclarecer se as empresas estrangeiras deveriam fornecer acesso a comunicações codificadas. Um projeto de lei recentemente alterado não melhorou a situação - de acordo com Jens-Henrik Jeppesen, diretor de Estudos Europeus do Centro para a Democracia e Tecnologias.
"Não se torna claro o que é que o governo quer exatamente," Afirmou. "Terão a liberdade de dizer a um fornecedor de comunicações: 'Você tem de suspender este e aquele serviço pois não conseguimos obter o que queremos?'"
No Brasil, a polícia deteve recentemente um executivo local do Facebook pois a empresa não forneceu informações relativas a uma investigação de tráfico de drogas. No ano passado, a polícia brasileira realizou uma rusga na casa de um executivo da Microsoft que se recusou a dar acesso a dados do Skype armazenados nos EUAi. De acordo com a Microsoft, ceder aos pedidos do Brasil iria violar leis norte-americanas. A empresa teve de escolher que políticas - de que país - infringir.
Como cada país aborda a segurança de dados, a privacidade e a encriptação de modo diferente seria praticamente impossível para empresas de tecnologia globais aderir a todas as leis ao mesmo tempo, disse Knake. Uma dinâmica parecida está a ter lugar quanto a disputas sobre se a Microsoft terá de conceder acesso ao FBI a e-mails que está a guardar num centro de dados irlandês. Os EUA afirmam que a Microsoft deve cumprir o pedido legítimo para produzir os emails; a empresa argumenta que tal poderia causar pedidos por parte de governos estrangeiros relativos a informações armazenadas nos EUA.
Se o Congresso dos EUA adotar uma nova legislação para a encriptação, a indústria tecnológica poderá exercer pressão intensa sobre os legisladores para que os mesmos encarem a situação de outra forma. No entanto, na Europa, é provável que o lobby de Silicon Valley tenha menos poder, segundo Jeppesen. As empresas tecnológicas norte-americanas têm sido amplamente criticadas na Europa por várias razões: comportamento anti-concorrencial, evasão fiscal e práticas empresariais duvidosas.
A falta de confiança dos governos europeus na capacidade de Silicon Valley de manter informações privadas longe do governo norte-americano aumentou ainda mais o nível de receio. A situação internacional que a Apple enfrenta, agora focada no FBI, irá tornar-se cada vez mais difícil, afirmou David Fidler, membro sénior do Centro de Pesquisas para a Cibersegurança Aplicada da Universidade do Indiana.
"Acha que é um problema?" Pergunta. "Então espere para ver o que vai acontecer."