Há cada vez mais países a oferecerem passaportes em troca de investimentos e não são poucos os indivíduos com capacidade financeira para aproveitar a oferta.
Enquanto a migração e a desigualdade continuam a receber especial atenção, vale a pena salientar um fenómeno crescente que surge com a interseção destes dois tópicos: a cidadania económica. Há cada vez mais países a oferecerem passaportes em troca de investimentos e não são poucos os indivíduos com capacidade financeira que têm vindo a aproveitar-se disso mesmo.
Em 2014, os mais abastados gastaram no geral cerca de $2 mil milhões na aquisição de nacionalidades. As Caraíbas são a capital global dos programas de “cidadania-por-investimento”.
É possível obter um passaporte de Domínica em troca de um investimento de $100.000. Um investimento de $400.000 numa propriedade ou uma doação de $250.000 para um fundo de desenvolvimento conferem a nacionalidade de São Cristóvão e Nevis.
São necessárias quantias semelhantes para adquirir um passaporte de Antígua e Barbuda, mais cinco dias de residência no país nos primeiros cinco anos em que é concedida a nacionalidade. Estima-se que em 2015 os países caribenhos tenham vendido 2.000 passaportes através dos programas de cidadania-por-investimento.
Mas não são só os países das Caraíbas que oferecem passaportes. O Chipre, por exemplo, oferece a nacionalidade em troca de um investimento imobiliário não inferior a €2,5 milhões. Além disso, nem todos os países vendem a nacionalidade de forma tão direta. Alguns, como os Estados Unidos e o Reino Unido, oferecem residência – e um caminho para a nacionalidade - a investidores ricos.
Nos Estados Unidos, por exemplo, todos os aspirantes à nacionalidade norte-americana que invistam $500.000 e criem 10 postos de trabalho podem candidatar-se ao visto EB-5. Já o Reino Unido exige um investimento de pelo menos £2 milhões.
Ambos os países exigem que os investidores passem quase metade dos anos a residir no país, durante alguns anos, antes de se candidatarem à nacionalidade. Para mais, quase todos os programas de cidadania económica têm taxas que são pagas diretamente aos governos – para além dos investimentos necessários.
Porque é que o mercado dos passaportes está a crescer assim tanto? Alguns apontam para os esforços conduzidos pelo advogado suíço Christian Kalin, um homem a quem a Bloomberg apelidou de “rei dos passaportes”. A empresa de Kalin, Henley & Partners, é a principal empresa de planeamento de nacionalidades do mundo – e também presta aconselhamento aos países quanto à criação dos programas descritos.
Foi em tempos uma empresa de consultoria para a imigração, com pouco movimento, e que também auxiliava na gestão de fortunas. No entanto, em 2006 Kalin ofereceu conselhos a São Cristóvão sobre como definir o seu programa de cidadania económica e os resultados foram impressionantes.
Através da venda de passaportes, São Cristóvão e Nevis reduziu a sua “dívida de 164% do PIB em 2010 para 104% no final de 2013”. Em 2014, os passaportes tornaram-se o principal produto de exportação do país, o capital associado ao negócio dos passaportes representava pelo menos 25% do PIB e o desenvolvimento que desencadeou nas ilhas levou ao fenómeno a que muitos chamaram de “bolha” do sector imobiliário.
Outros países endividados tomaram conhecimento da capacidade de Kalin para criar um recurso num país que não possuía nenhum – e foi assim que cresceu o fornecimento de passaportes.
Contudo, a procura também explodiu com investidores em busca de segundos passaportes em números recorde. Muitos em fuga da instabilidade interna dos seus países – da incerteza militar ou política. A instabilidade no Médio Oriente tem sido um fator importante na popularidade dos programas de cidadania económica: a Henley & Partners refere que o negócio duplicou desde o início da Primavera Árabe.
No entanto, e segundo o FMI, ainda mais relevante tem sido o fluxo de cidadãos chineses e russos com capacidade financeira – que dominam os programas de cidadania-por-investimento e outros programas relacionados.
Por exemplo, 80% dos vistos EB-5 norte-americanos pertencem a chineses, enquanto cerca de 50% dos passaportes vendidos por São Cristóvão e Nevis são comprados por “investidores” russos e chineses.
Um segundo passaporte é mais do que um meio de fuga ou uma garantia contra a incerteza. Pode melhorar a mobilidade de cidadãos de países atormentados – especialmente num mundo após o 11 de setembro.
Os passaportes provenientes do Irão, Iraque e Paquistão, por exemplo, dão acesso a pouco menos de 40 países com isenção de visto (logo a seguir à Coreia do Norte), enquanto um passaporte de São Cristóvão e Nevis dá acesso a 131. Os melhores passaportes, incluindo os dos Estados Unidos da América, do Reino Unido e do Canadá, dão acesso a 170 países ou mais.
É claro que esta mobilidade extra também pode ser utilizada para infringir a lei. Em 2014, os Estados Unidos e o Canadá condenaram o programa de cidadania-por-investimento de São Cristóvão e Nevis por ajudar iranianos a esquivarem-se às sanções impostas ao país. Para proteger a sua “máquina de fazer dinheiro” a ilha recolheu milhares de passaportes e implementou padrões mais elevados para a sua concessão.
Uma outra razão que pode levar os investidores com capacidade financeira a procurar a cidadania económica é a questão fiscal. Os cidadãos norte-americanos que vivam no estrangeiro são obrigados por lei a pagar impostos nos Estados Unidos. Trocar um passaporte norte-americano por um de São Cristóvão e Nevis diminui a taxa de tributação do rendimento e de mais-valias de um indivíduo para 0%. É claro que para tal é necessário que o cidadão norte-americano renuncie à sua nacionalidade.
Assim sendo, o que é que o futuro reserva para o mercado da cidadania económica? Tendo em conta a instabilidade económica e política a nível global, parece que a procura de passaportes entre a elite vai continuar por muitos anos.
Simultaneamente, um número cada vez maior de países endividados irá encarar os programas de cidadania económica como uma forma de atrair capital. Um dos resultados poderá ser a diminuição do custo dos passaportes; outro poderá ser a redução de exigências para a concessão dos mesmos – o que acabará por conceder maior segurança e maior mobilidade a potenciais malfeitores.
Independentemente do que venha a acontecer, o mercado dos passaportes – juntamente com o da arte – é um indicador fascinante do nível de confiança da elite global. A cidadania alternativa pode ser interpretada como uma apólice de seguros – mas tal como qualquer empresa de seguros poderá referir, o aumento súbito de coberturas não é um bom sinal. Só por esta razão em particular, vale a pena estar atento à evolução deste mercado.