Panama Papers revelam rede global de corrupção e de evasão fiscal
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No âmbito dos recém-divulgados Panama Papers Matthew Yglesias, que colabora com a Vox, analisa as motivações por detrás da criação de empresas de fachada e do recurso a paraísos fiscais.

A Mossack Fonseca é há muito conhecida pela elite financeira e política mundial – e graças à divulgação de 2,6 terabytes de documentos confidenciais está a tornar-se amplamente conhecida por todos. Uma grande equipa de centenas de jornalistas está a percorrer os documentos a que chamam Panama Papers.

Os documentos fornecem detalhes quanto a chocantes atos de corrupção na Rússia, sugerem iniciativas escandalosas em países em desenvolvimento e poderão despoletar uma crise política na Islândia.

Oferecem também uma perspetiva sobre uma realidade banal que tem estado escondida: apesar das nações mais ricas e poderosas do mundo se terem envolvido em esforços cada vez mais complexos e intensivos em termos de cooperação internacional as mesmas têm permitido que os mais ricos da sociedade ocidental protejam os seu ativos financeiros de impostos (e em muitos casos também de acordos de divórcio ou falências) tirando partido de empresas de fachada e paraísos fiscais.

O que é uma empresa de fachada?

Por vezes, uma pessoa – ou empresa, ou instituição – conhecida pretende comprar coisas ou deter bens sem ficar associada aos mesmos.

A Apple, por exemplo, parece ter criado uma empresa chamada SixtyEight Research – que os jornalistas creem ser uma fachada para a construção de um carro. Considerando que a Apple é uma das empresas mais seguidas do planeta tal não foi muito eficaz – toda a gente reparou quando o pessoal da SixtyEight Research apareceu numa conferência da indústria automóvel.

No entanto, no geral, as empresas não gostam de divulgar o que estão a preparar e por vezes o recurso a empresas de fachada – para projetos ainda não prontos a serem anunciados publicamente – pode ser uma ferramenta útil.

As empresas de fachada são muitas vezes utilizadas por questões de privacidade. As transações imobiliárias, por exemplo, exigem normalmente um registo público. Assim, um atleta, ator ou qualquer celebridade que queira comprar uma casa sem ter o seu nome e morada nos jornais poderá querer pagar a um advogado para criar uma empresa de fachada e avançar com a compra.

E o material obscuro?

O sigilo pode ter fins ilegítimos também. Tal é particularmente verdadeiro para empresas de fachada estabelecidas em centros internacionais de sigilo bancário – que oferecem um nível de anonimato que vai além de tornar difícil a pesquisa online do nome do proprietário.

A sua futura ex-mulher, por exemplo, não irá aproveitar metade do dinheiro de uma conta que ela e os seus advogados não sabem que existe – ou não podem provar que você detém. Nem podem os seus credores ter noção dessa conta num processo de falência. Nem pode o governo impor impostos de sucessão quando você morrer e passar tudo para os seus filhos. Em todas estas circunstâncias uma empresa no Panamá controlada de forma secreta – com ações, títulos e outros ativos financeiros em seu nome – pode ser o veículo ideal.

Da mesma forma, se recebeu bastante dinheiro de forma ilegal (aceitando subornos, traficando drogas, etc.) tem de fazer algo com o dinheiro que não atraia a atenção das autoridades ou da imprensa. Uma empresa de fachada, secreta e offshore, é a solução perfeita. Ajuda a evitar o escrutínio em tempo real – e garante que os seus ativos não lhe são retirados caso venha a ser descoberto.

Embora os esquemas de lavagem de dinheiro sejam a forma mais comum de utilização de empresas de fachada, a quotidiana fuga a impostos é o que realmente “paga as contas”. Como um gestor de contas bancárias offshore me disse há anos atrás “Quando as pessoas pensam em sigilo bancário pensam em terroristas e traficantes de droga mas a verdade é que há muitas pessoas ricas que não querem pagar impostos.” E o sistema persiste pois há muitos políticos no ocidente que não querem obrigá-las a fazê-lo.

O que mostram os Panama Papers?

Como pode imaginar há muitos detalhes em 2,6 terabytes. Seguem-se alguns:

  • O círculo íntimo de Vladimir Putin parece controlar cerca de 2 mil milhões de dólares em ativos offshore.
  • O primeiro ministro da Islândia deteve secretamente a dívida de bancos islandeses falidos enquanto esteve envolvido nas negociações políticas quanto ao destino da mesma.
  • A família do primeiro-ministro do Paquistão possui bens imóveis, avaliados em milhões de dólares, através de contas offshore.
  • O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, comprometeu-se a vender as suas ligações ao setor privado ucraniano durante a sua campanha mas parece que as transferiu para uma empresa offshore – que controla.

O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação avançou o perfil completo de figuras políticas e respetivos familiares mencionados nos Panama Papers.

Os documentos incluem um memorando de uma parceira da Mossack Fonseca que revela que “95% do nosso trabalho consiste na venda de veículos para evitar impostos.”

Paraísos fiscais offshore: quanto dinheiro envolvido?

Ninguém tem a certeza.

Gabriel Zucman, professor de Economia na UC Berkley, estudou a questão detalhadamente – no seu livro The Hidden Wealth of Nations (A Riqueza oculta das Nações) – e estima que totalizam pelo menos 7,6 biliões de dólares. É mais de 8% de toda a riqueza financeira do mundo e está a crescer rapidamente. Zucman estima que a riqueza das offshores tenha aumentado 25% ao longo dos últimos cinco anos.

Muito disso reflete “dinheiro novo” da China e de outras nações em desenvolvimento – cujos cidadãos têm medos legítimos quanto à estabilidade política e ao estado de direito.

Mas parte é apenas avareza. Ian Cameron, o falecido pai do primeiro-ministro britânico David Cameron, também aparece nos documentos, por exemplo. A Mossack Fonseca ajudou-o a criar a sua empresa de investimentos Blairmore Holdings nas Ilhas Virgens Britânicas onde – de acordo com material de marketing da empresa – a empresa “não está sujeita aos impostos sobre rendimentos e lucros do Reino Unido”.

Fonte: Vox

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