Ser médico na Síria significa esperar a morte
SANA/Handout via Reuters
Página principal Análise, Síria

Os médicos são os principais alvos dos ataques aéreos – e os hospitais deixaram de ser locais seguros

Trabalhadores humanitários pediram à comunidade internacional que faça mais para protegê-los de ataques mortais – e para garantir que a ajuda chega aos mais necessitados, avançando que as declarações de apoio devem ser traduzidas em ações concretas.

No segundo dia do World Humanitarian Summit, que decorreu em Istambul entre 23 e 24 de maio, o dirigente de uma organização médica síria avançou que estão agora a mover os hospitais para locais subterrâneos, como caves, na medida em que as tentativas internacionais para terminar os ataques falharam.

“Ser médico neste país significa esperar pela morte.” – Afirmou Zedoun Al Zoubi, dirigente da Union of Medical Care and Relief Organizations (UOSSM) que trabalha na Síria.

“Em vez de salvar vidas estamos preocupados com a nossa própria vida pois os médicos são os principais alvos dos ataques aéreos.” – Avançou à Thomson Reuters Foundation.

De acordo com Al Zoubi, cerca de 10.000 médicos abandonaram o país e sobram apenas 1.000 nas áreas controladas pelas forças de oposição.

“Toda a gente sabe que os hospitais são o local mais seguro do mundo em tempo de guerra – mas na Síria são o local mais arriscado.”

Quando um hospital tentou construir uma instalação subterrânea perto de casernas do Exército Livre da Síria o mesmo impediu a iniciativa, avançando que a presença de um hospital levaria a que a área fosse bombardeada.

Segundo Al Zoubi, que foi forçado a fugir da Síria em 2013:

“Os ataques aéreos visam principalmente os hospitais, não as milícias.”

No início deste mês a Médicos Sem Fronteiras (MSF), organização de ajuda médica, dirigiu-se a quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, abordando os ataques a hospitais na Síria, Iémen e Afeganistão.

Os MSF saíram da cimeira humanitária a afirmar que a mesma, patrocinada pelas Nações Unidas, não iria comprometer os países a explicar o seu papel nos conflitos ou pressioná-los a cumprir as leis de guerra.

Crimes de guerra

O Secretário Geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, avançou na Cimeira em Istambul que os ataques a hospitais ascendiam a crimes de guerra e que os responsáveis deveriam ser levados ao Tribunal Penal Internacional.

“Proteger os trabalhadores humanitários é um princípio central do direito internacional humanitário. Os meus altos funcionários e eu referimo-lo em todas as oportunidades com os Estados-membros e a comunidades internacional.” – Afirmou. “Mobilizar os líderes a comprometerem-se a defender as regras do direito é uma das responsabilidades centrais da Agenda para a Humanidade.” – Acrescentou.

A dirigir-se às Organizações Não Governamentais (ONG) sírias, disse: “Embora não sejamos capazes de cumprir todos os requisitos estamos a fazer o melhor que podemos. Peço-vos que sejam corajosos e que tenham esperança.”

Locais seguros

“O mínimo que a (comunidade internacional) pode fazer é fornecer um ambiente seguro aos trabalhadores humanitários.” – Afirmou numa entrevista Rouba Mhaissen, fundadora e diretora da Sawa for Development and Aid, que apoia refugiados sírios no Líbano.

Tal pode incluir a criação de zonas de exclusão aérea ou o recurso a “envios do ar” para entregar ajuda a áreas cortadas a todas as agências – garantindo que os hospitais e escolas não são alvos.

Também exortou os doadores a canalizarem mais fundos diretamente para ONG sírias, afirmando que as mesmas têm maior acesso aos necessitados e menos despesas gerais que as agências internacionais.

Os trabalhadores humanitários sírios foram responsáveis por 75% da ajuda humanitária em 2014 mas receberam menos de 10% dos fundos disponíveis para a resposta à Síria – de acordo com uma pesquisa recente da Local To Global Protection (L2GP).

“Apesar do seu papel crucial as ONG sírias têm tido dificuldade em manter os seus custos mais básicos cobertos.” – Avançou a L2GP, que promove trabalho humanitário a nível local nas maiores crises humanitárias.

Mhaissen avançou que um dos aspetos mais difíceis que encara, juntamente com os seus colegas, é ter de repetir a mesma mensagem à comunidade internacional “e não ver qualquer mudança”.

“Vamos para o terreno e assistimos ao sofrimento humano a cru em primeira mão.” – Afirmou. “De cada vez que penso ‘Isto é o pior que pode acontecer’ algo pior acontece.”

Concluiu que apesar de tudo se verifica esperança nos campos de refugiados sírios.

“Ainda estão a lutar de forma pacífica pela sua liberdade, pela sua dignidade.” – Disse.

Estão a esgotar-se os caixões em Alepo
Leia também:
Por favor, descreva o erro
Fechar