Os aliados de Berlim, e os próprios líderes alemães, parecem finalmente confortáveis com a noção de que o papel da Alemanha como líder de facto da UE requer uma dimensão militar
Sabemos que os tempos mudaram quando os alemães anunciam que estão a expandir o seu exército pela primeira vez em 25 anos – e ninguém se opõe.
Quando o Muro de Berlim caiu, o Reino Unido e França em particular tiveram receio do ressurgimento de um colosso alemão na Europa. Em contraste, no mês passado Berlim avançou que pretende acrescentar quase 7.000 soldados às suas forças armadas até 2023 e anunciou anteriormente que irá gastar até 130 mil milhões de euros em novo equipamento até 2030. Ambos os anúncios foram calorosamente recebidos pelos aliados da NATO.
Os aliados dos tempos modernos de Berlim, e os próprios líderes alemães, parecem finalmente confortáveis com a noção de que o papel da Alemanha como líder de facto da União Europeia requer uma dimensão militar.
Tanto os Estados Unidos como outros – incluindo muitos dos próprios especialistas em defesa da Alemanha – querem que a Alemanha faça ainda mais pela segurança do continente e que amplie a presença no exterior.
Com a aproximação da cimeira da NATO, que terá lugar em Varsóvia em julho, a Alemanha – maior economia da Europa – é agora chave quanto à forma como a aliança irá enfrentar os perigos que transformaram a situação estratégica da Europa: uma Rússia mais ameaçadora e a expansão do Estado Islâmico para além de atos individuais de terrorismo.
Na Europa, onde os membros mais a leste da NATO – particularmente a Polónia e os Estados Bálticos – solicitaram a implantação permanente de tropas aliadas para impedir a intromissão da Rússia, a Alemanha parece pronta para assumir o comando de uma brigada na Lituânia, juntando-se ao Reino Unido e EUA na criação de presença robusta nas fronteiras com a Rússia.
Sob a liderança da chanceler Angela Merkel, a Alemanha está também a desempenhar um papel quando à reunião de recursos dos Estados-membros da NATO para maior segurança coletiva.
Mudança gradual
Seja por si própria ou com outros, a Alemanha está a mostrar sinais de se sentir mais confortável com um maior papel militar – uma mudança gradual e distintiva do pacifismo instintivo que tomou conta a partir de 1945 e da tendência pós-Guerra Fria para encolher as forças armadas da nação.
A mudança tornou-se aparente em 2014, quando o presidente e ministros das Relações Externas e Defesa instaram a um papel maior em termos de segurança global para o país na Conferência de Segurança de Munique, que decorre anualmente. Semanas mais tarde, o líder da Rússia, presidente Vladimir Putin, anexou a Crimeia.
Desde então, a Alemanha tem ajudado a criar uma força de reação da NATO na Europa de leste, tem liderado esforços diplomáticos na Ucrânia e treinado e armado peshmerga curdos que combatem o Estado Islâmico no Iraque e Síria.
Agora, está a ser preparado um novo documento estratégico do governo – o primeiro “Livro Branco” sobre o tema em 10 anos. O mesmo deverá referir-se ao papel da Alemanha no cenário mundial – além da sua esfera de atividade na Europa – e deverá referir explicitamente contribuições militares.
No entanto, as sondagens mostram que “o público em geral não se sente muito confortável com a dimensão militar.” – Afirmou Sylke Tempel, editora da International Policy, revista do German Council on Foreign Relations.
A elite responsável pela formulação de politicas, por outro lado, sabe que “o pensamento estratégico inclui a noção de que é necessário construir força para se ser levado a sério e que é necessário investir nessa dimensão.” – Afirmou Tempel.
Para Karl-Heinz Kamp, presidente da Federal Academy for Security Policy do governo e especialista em defesa, o principal perigo para os planos [da Alemanha] é “o facto de se verificarem movimentos anti-establishment em ambos os lados do Atlântico – o Alternative for Germany, a Frente Nacional em França e Trump nos EUA.”
Os populistas de tais movimentos têm pouco interesse em objetivos comuns transatlânticos, afirmou. De acordo com Kamp:
“Estes movimentos anti-establishment contrastam com tudo o que é a NATO e esse é o único ponto que me preocupa.”
Forças Armadas na Alemanha
Na política alemã, o cargo de ministro da Defesa tem-se revelado tradicionalmente difícil. É um cargo prestigiante mas atormentado por dificuldades quanto à obtenção dos necessários fundos e equipamento moderno.
Nem a ministra da Defesa nem a chanceler são chefes das forças armadas – outro legado dos esforços pós-nazismo para limitar a Alemanha. O controlo do exército pertence ao Parlamento e cada despesa ou destacamento militar está sujeito à sua aprovação.
Além disso, o declínio demográfico e os bons postos de trabalho civis na robusta economia alemã tornaram difícil recrutar uma força de voluntários.
Thomas Wiegold, especialista em assuntos de defesa, observou que a força das tropas regulares – cerca de 166.000 em abril – fica aquém do atual objetivo de 170.000 – e questionou se a ministra da Defesa, Ursula von der Leyen, poderia alcançar esse nível e manter a promessa de mais soldados até 2023.
De acordo com Wiegold:
“A mensagem política é que depois de décadas de redução queremos crescer. (...) Mas ainda ninguém sabe como é que isso se traduz na prática.”
O ministério da Defesa tomou várias medidas para tornar as forças armadas um melhor empregador. Tal incluiu a contratação de um consultor da McKinsey, para examinar as estruturas e o assegurar de maior contacto entre os soldados no exterior e as suas famílias em casa. Também a nova unidade de guerra cibernética é uma prioridade: o ministério da Defesa está a procurar acabar com as falhas em termos de equipamento e avarias.