Brexit: um olhar sobre o seu significado abrangente
Reuters \ Toby Melville
Página principal Análise, Brexit

Na véspera do referendo clarificamos os termos e possíveis resultados

O referendo de amanhã é muito mais do que uma votação quanto à permanência da Grã-Bretanha no bloco de 28 nações. É sobre identidade nacional e social, o lugar da Grã-Bretanha no mundo e o futuro do projeto europeu.

1. O que significa Brexit?

É a junção das palavras “Britain” (Grã-Bretanha) e “exit” (saída) – a saída da Grã Bretanha da União Europeia, caso seja esse o resultado do referendo de 23 de junho. O mesmo irá perguntar aos eleitores: “Deverá o Reino Unido permanecer membro da União Europeia ou deverá sair da União Europeia”?

O debate que tem antecedido a votação inclui, no entanto, uma abordagem mais ampla quanto aos valores nacionais a priorizar.

Os defensores do Brexit têm enquadrado a saída da União Europeia como necessária para proteger, ou mesmo restaurar, a identidade do país: a sua cultura, independência e lugar no mundo. Este argumento é frequentemente expresso como oposição à imigração.

Os apoiantes da “permanência na UE” tendem a argumentar que permanecer na UE será melhor para a economia britânica e que as preocupações quanto à migração e outras questões não são suficientemente importantes para compensar as consequências económicas da saída.

2. O que defende a campanha pelo “Leave” (saída da UE)?

Está muita coisa implícita num dos slogans da campanha – “Take control” (assumir o controlo).

De acordo com Brian Klaas, fellow de Política Comparada na London School of Economics:

“Há duas coisas em jogo aqui. (...) Uma é a nostalgia cultural do lugar perdido [da Grã-Bretanha] no mundo. A ideia de que a Grã-Bretanha tinha significado, podia fazer coisas sem ter de consultar Bruxelas.”

E depois há a imigração. De acordo com Klaas:

“Existe este sentimento de que estamos a perder a nossa identidade cultural e a nossa identidade nacional (...) enquanto se verifica um fluxo de pessoas dispostas a trabalhar com salários baixos.”

Um inquérito de 2013 quanto às Atitudes Sociais Britânicas concluiu que mais de três quartos dos britânicos pretendem que as políticas de imigração do país sejam reduzidas – e cerca de 56% avançou que deviam ser “bastante” reduzidas.

Embora a Grã-Bretanha tenha aceite um pequeno número de refugiados em comparação com outros países europeus, os tabloides britânicos avançaram que o país está a ser invadido por um “enxame” incontrolável de estrangeiros. A imigração laboral, particularmente da Europa de Leste, é muitas vezes apresentada como economicamente ameaçadora.

Terrence G. Peterson, fellow no Center for International Security and Cooperation da Universidade de Stanford, avançou que se verifica “uma sensação de que a Grã-Bretanha perdeu algo, perdeu a sua soberania.”

Acrescentou:

“Não pode fechar as fronteiras da forma que quer. (...) Não pode ter as políticas económicas que pretende.”

3. O que defende a campanha pelo “Remain” (permanência na UE)?

Em vez de defender a União Europeia ou a imigração como algo bom para a Grã-Bretanha, contestando os argumentos da oposição, a campanha alerta que a saída da UE seria desastrosa para a economia britânica.

A maioria dos economistas concorda com essa afirmação. A Europa é o mais importante mercado de exportação da Grã-Bretanha e a sua maior fonte de investimento direto estrangeiro – e a pertença à UE tem sido crucial para estabelecer Londres como centro financeiro global. A saída iria prejudicar esse estatuto – e os altos salários proporcionados pelo mesmo.

Como negociar em caso de Brexit – ou em caso de “Bremain”

O mero facto de se realizar o referendo já afetou a economia: a libra desvalorizou para o mais baixo nível em sete anos.

É notório, no entanto, que os que defendem a permanência na UE – como o primeiro-ministro David Cameron e a liderança dos dois principais partidos políticos do país – não expressam grande entusiasmo pela UE em si. Os seus argumentos têm-se focado nos interesses britânicos. Tal é um sinal do quão impopular a UE se tornou na Grã-Bretanha.

4. Porque é que os britânicos não confiam na Europa?

Passe algum tempo no Reino Unido e irá ouvir as pessoas a referirem-se “ao Continente”. As agências de viagens anunciam voos e pacotes turísticos para a Europa, como se se tratasse de outro lugar.

Como Peterson avança:

“A Grã-Bretanha colocou sempre a Europa à distância, mesmo quando era favorável à UE.”

A Grã-Bretanha tornou-se membro da UE em 1973 mas realizou um referendo pela saída passados dois anos (a campanha pró-Europa venceu com 67% dos votos). A oposição populista permaneceu nas décadas que se seguiram. A Grã-Bretanha nunca se juntou aos países que utilizam euro ou participou no Espaço Schengen.

Uma semana que irá definir a Europa

5. Por que razão agora?

Recentes desafios na União Europeia sublinharam nova urgência dos eurocéticos.

De acordo com Charles Grant, diretor do Centre for European Reform:

“Não haveria referendo sem a crise da zona euro que fez com que a UE parecesse mal organizada e disfuncional. (...) A crise dos refugiados também não ajudou. Fez com que a UE parecesse fora de controlo.”

Peterson afirma que a questão mais profunda passa pela união permanecer um projeto inacabado, que permitiu que a crise económica e dos migrantes se tornasse tão grave.

A União Europeia nunca desenvolveu instituições políticas centralizadas fortes o suficiente para gerir os diversos países constituintes. As nações a título individual têm poucos incentivos para fazer sacrifícios pelo bem comum e a união europeia é fraca quando mais necessária.

6. O que acontece se o Reino Unido sair da UE?

As projeções diferem mas existe consenso quanto ao facto da saída vir a prejudicar a Grã-Bretanha financeiramente, pelo menos no curto prazo.

Sem acesso aos mercados abertos da UE, a Grã Bretanha perderá comércio e investimento – e apesar do fluxo de trabalhadores migrantes ter criado ansiedade quanto à cultura e identidade britânica, perder a sua força de trabalho poderá levar a menor produtividade, menor crescimento económico e diminuição de oportunidades de trabalho.

O Brexit também poderá levar ao “Scexit” – se a Grã-Bretanha votar pela saída da UE, poderá verificar-se novo referendo pela independência da Escócia (que poderá, por si só, juntar-se à UE mais tarde como nação independente). Os eleitores escoceses rejeitaram a medida por quase 10 pontos em 2014 mas analistas avançam que o Brexit poderá alterar isso na medida em que os escoceses apoiam a permanência na União Europeia.

7. Quais as consequências mais amplas?

Se a Grã Bretanha deixar a UE haverá impulso à mensagem nacionalista, anti-migrantes, e a políticas de partidos populistas e de extrema direita que já estão a aumentar por toda a Europa.

O que esperar do Brexit?

As implicações para o projeto europeu em si não são claras mas a incerteza poderá ser a maior ameaça para a União, que proporcionou 70 anos de paz à Europa – e que se encontra sob pressão crescente.

Também irá minar a confiança entre os Estados-membros, cujos compromissos parecem menos fiáveis de cada vez que um deles ameaça sair.

A saída da Grã-Bretanha irá acentuar o poder da Alemanha no bloco. Irá minar a legitimidade da UE e irá tornar mais difícil a resposta a crises internas, como a economia grega ou o fluxo de migrantes, bem como a ameaças de segurança externas.

Leia também:
Por favor, descreva o erro
Fechar