David Galland e Stephen McBride, que colaboram com o businessinsider.com, analisam o impacto do golpe de Estado falhado no acordo UE-Turquia quanto à crise dos refugiados
Desde a tentativa de golpe de Estado a 15 de julho que o presidente Erdogan expurgou 9.000 militares, 6.000 membros da polícia, 3.000 juízes e mais de 15.000 professores.
A força militar da Turquia tem agido historicamente como contrapeso a políticos que tendem a inclinar-se fortemente para o Islão. A força militar interveio diretamente na política turca três vezes desde 1971. Vê-se como guardiã do Estado secular criado por Mustafa Kemal Ataturk em 1923.
Desde que assumiu o poder em 2002, o AKP – o maior partido político turco – introduziu medidas que afastam a Turquia da sua fundação secular. Embora 97,8% da população turca se identifique como muçulmana, muitos não praticam a fé. Sob o AKP, o número de crianças em escolas islâmicas cresceu de 63.000 para mais de 1 milhão.
A expurgação de militares é vista como uma tentativa de Erdogan de se livrar da última resistência secular a um Estado mais islâmico.
Influência política
A Turquia detém uma carta muito importante, semelhante a uma arma biológica. Essa carta são os 3 milhões de refugiados que atualmente acolhe no seu território.
A Turquia e a União Europeia celebraram um acordo. A Turquia concordou em conter o fluxo de refugiados a deixar a sua costa para a Grécia e, em troca, a UE concordou em conceder 3 mil milhões de euros por ano à Turquia e isenção de visto para cidadãos turcos a viajar para o espaço Schengen.
Desde que o acordo entrou em vigor, em março de 2016, o número de refugiados a chegar à Grécia caiu 90%. Até agora, a UE apenas pagou a primeira tranche dos fundos. E a promessa quanto à isenção de visto?
A purga de Erdogan lançou dúvidas quanto ao acordo. A UE tem assumido uma postura dura quanto às suas ações – e dada a recente onda de ataques terroristas pela Europa, a última coisa que a UE quer são mais refugiados a fluírem na sua direção.
Escolhas europeias
Uma Turquia cada vez mais islâmica e autoritária é uma Turquia em desacordo com os tradicionais valores europeus. A Turquia tem a UE entre a espada e a parede quanto à crise dos refugiados – e a última terá de ceder em algum ponto.
Se a UE optar por cortar conversações com a Turquia o regime de Erdogan avançou que irá “libertar os refugiados” para a Europa. Tal irá deixar os atuais 3 milhões de refugiados presentes na Turquia “livres” para atravessarem o mar Egeu até à Grécia. As cenas do último verão, das jangadas de refugiados, de certeza que assombram os burocratas da UE.
Se a UE decidir avançar com o acordo, o resultado não será muito diferente. Dará a mais de 70 milhões de muçulmanos isenção de visto para viajarem pela Europa. A Turquia faz fronteira com o Irão, Iraque e Síria – não exatamente os países em que se pensa quando se ouve “zona euro”. Tal acordo poderá representar maior acesso dos cidadãos desses países ao continente europeu.
Estima-se que mais de 15 milhões de turcos imigrem para a Europa nos primeiros 10 anos do acordo. Tal terá consequências sobre os salários na Europa. O PIB per capita na Turquia é de 10.500 euros, 65% inferior à média da zona euro.
Soluções para a crise
A UE está presa num jogo “Deal or No Deal”. De qualquer das formas, a UE perde. No entanto, ainda poderá salvar os seus cidadãos e herança com uma decisão: restabelecer as fronteiras.
A Hungria tomou a sua decisão em junho de 2015. Em uma semana, o número de entradas no país por dia caiu de 6.353 para 29.
Essa decisão irá violar o acordo de Schengen e terminar com a UE como a conhecemos. Também representará o fim da crise dos refugiados na Europa.
A história não se repete mas soa, muitas vezes, como os discursos de convenção de Michelle Obama e Melania Trump. Hoje, temos uma situação que soa como a Batalha de Viena de 1683. Irá a Europa defender-se contra os invasores como fez então?
O golpe falhado – considerado ato de terrorismo por Erdogan – foi de facto uma tentativa militar para defender os valores seculares e fundadores da República da Turquia.
Ataturk deve estar a revirar-se no túmulo.