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A vitória de Netanyahu nas recentes eleições deixa antever um fosso cada vez maior entre israelitas e palestinianos. Tal receio é amplamente reforçado pelas declarações nacionalistas de Netanyahu durante a campanha eleitoral. Palestina, que futuro?

Benjamin Netanyahu venceu novamente. Não terá qualquer dificuldade em reunir uma sólida coligação de direita – mas os números a cru podem ser enganadores. O que realmente conta é o facto de o eleitorado israelita ainda se encontrar dominado pelo hipernacionalismo, nalguns casos protofascismo. Não se encontra de forma alguma inclinado para a paz. Existe um claro mandato que impede qualquer possibilidade de movimento em direção a um acordo com os palestinianos e que irá aprofundar ainda mais os colonos israelitas em territórios palestinianos – provavelmente de forma irreversível.

As estridentes declarações públicas de Netanyahu ao longo dos últimos dois ou três dias antes das votações podem explicar-se, em parte, pela surpreendente margem de vitória do Likud. Pela primeira vez desde o seu discurso em Bar Ilan, em 2009, Netanyahu renunciou explicitamente à solução de dois Estados e jurou que nenhum Estado palestiniano viria a existir sob um mandato seu. Prometeu grandes novos projetos nos territórios palestinianos, incluindo em Jerusalém oriental. Deixou claro que Israel não fará mais concessões territoriais, em nenhum lugar, na medida em que qualquer terra abandonada seria, na sua opinião, imediatamente tomada por terroristas muçulmanos.

E depois seguiu-se a verdadeiramente surpreendente e notória declaração no dia das eleições – na qual exortou os eleitores judeus a correr às urnas pois “os árabes estão a votar em massa.” Pode-se pensar que os eleitores árabes fossem membros do corpo politico que liderou enquanto primeiro ministro. Imagine um presidente dos Estados Unidos branco a chamar os brancos a votar pois “os negros estão a votar em grande número.” Se existe uma escolha a ser feita entre os valores democráticos e o feroz tribalismo judaico não há duvida sobre o que o atual e futuro primeiro ministro de Israel escolheria.

Ciente do longo histórico de desonestidade medíocre de Netanyahu, os comentadores de esquerda tenderam a caracterizar estas declarações como a retórica mais duvidosa; sob imensa pressão dos Estados Unidos vacilou na questão da criação do Estado palestiniano em comentários dirigidos a uma audiência estrangeira e fluente em inglês. Mas penso que, pela primeira vez, Netanyahu estava realmente a ser sincero no último fim de semana antes das eleições – uma verdade popular entre os seus tradicionais apoiantes. O que significa isto? As coisas não estão assim tão diferentes hoje do que antes das eleições.

gali estrange/Shutterstock.com ("Likud grande, Israel forte" em hebraico e russo)

Mas a agora aparentemente inexpugnável liderança da direita tem pelo menos quatro prováveis consequências no curto e médio prazo.

1. A noção de que um dia existirão dois Estados na Palestina histórica foi barbaramente sabotada. Temos a palavra de Netanyahu. Se conseguir levar a sua avante – e porque não conseguiria? – os palestinianos estão destinados para o previsível futuro de permanecerem sujeitos a um regime de terror de Estado, incluindo a perda sem remorsos das suas terras e casas e, em muitos casos, das suas próprias vidas; continuarão a ser, como são agora, marginalizados, sem qualquer recurso legal, encurralados em pequenos enclaves descontínuos e privados de direitos humanos elementares.

Um leve exemplo, quase inócuo, totalmente típico da vida nos territórios: na semana passada eu estava nas colinas no sul de Hebron, com pastores palestinianos, num lugar chamado Zanuta e cujos solos de pastos foram tomados em grande parte por um assentamento de uma única família judia. Os soldados apareceram com a ordem-padrão, assinada pelo comandante da brigada, declarando aquela área como zona militar fechada. De acordo com o Supremo Tribunal essa ordem é ilegal – mas o mandado do tribunal tem pouco impacto na realidade no sul de Hebron. Em poucos minutos, três dos pastores e um ativista israelita foram presos.

A população de Zanuta vive com esses decretos arbitrários numa base diária, vivendo sob a constante ameaça de agressão violenta por parte dos colonos israelitas, agindo com impunidade. Em suma, estes habitantes palestinianos são candidatos a expropriação e expulsão. Estamos a fazer o que podemos para parar este processo, mas não é fácil. A situação no norte da Cisjordânia é consideravelmente pior.

2. Podemos encarar o surgimento na Cisjordânia como a situação em Gaza, com o Hamas ou outras organizações extremistas a assumirem o poder. Parece ridículo ter que escrever isto mas no caso de alguém ter dúvidas: não existe forma de um coletivo privilegiado permanecer para sempre em cima de desprivilegiados, uma minoria de milhões sistematicamente vitimizada. Podemos esperar violentos protestos em massa de vários tipos (talvez, com sorte, também com protestos de larga escala não violentos). Mais cedo ou mais tarde os territórios irão provavelmente explodir e a autoridade palestiniana será varrida. Nessa altura Netanyahu irá reclamar a alta voz que não se pode confiar nos árabes.

Na verdade, no entanto, existe um relacionamento de muitas camadas, íntimo e em curso entre israelitas e palestinianos – e o que um lado escolhe fazer tem um impacto direto sobre o outro lado. De forma geral, se nós israelitas não fizermos um acordo com os palestinianos moderados, ou não nos esforçarmos seriamente por um acordo, iremos pelas nossas próprias ações levar os seus extremistas ao poder. Não se verifica escassez de exemplos em décadas recentes.

3. Os palestinianos irão justamente recorrer ao Tribunal Penal Internacional em Haia (já a 1 de abril, de acordo com o anúncio oficial) e a fóruns internacionais como o Conselho de Segurança da ONU, onde Israel poderá em breve deixar de gozar da proteção automática do veto americano. O boicote internacional irá intensificar-se a um nível muito além do que temos observado. Poderá no fim forçar a mudança, a imenso custo para a coesão da sociedade israelita e da afirmação do Estado à legitimidade. Nesta questão creio que nos aproximamos do ponto de inflexão.

4. O mais importante, a fibra moral do pais continuará a desfazer-se. Já há anos que o espaço público tem sido contaminado por vozes feias e violentas oriundas da ala direita. Tal como Zvi Barel escreveu convincentemente no Haaretz:

“Netanyahu conseguiu derrubar o princípio em que o Estado existe para o benefício dos seus cidadãos, colocando no seu lugar a crença fascista de que os cidadãos existem para o Estado.”

De acordo com essa crença existirá legislação mais hiper-nacionalista e antidemocrática, mais tentativas deliberadas e consistentes de sabotar a autoridade dos tribunais, mais racismo desenfreado, mais bandidos em altos cargos, mais atos de crueldade infligidos a inocentes, mais ataques contra moderados encarados como inimigos do Estado, mais doutrina paranoica nas escolas, mais propaganda de ódio e choramingar hipócrita por parte de porta-vozes oficiais, mais discriminação contra a população israelo-árabe, mais destruição devassa das aldeias e mais guerras desnecessárias.

O perigo de dentro – para quem somos e como vivemos no mundo – é infinitamente maior do que qualquer ameaça externa. A corrupção (e não estou a falar de dinheiro) já está bastante avançada. Israel tem-se movido, com efeito, em direção a um sistema de apartheid de pleno direito. Aqueles que não gostam da palavra podem sugerir outra para o que vejo todas as semanas nos territórios e cada vez mais dentro da Linha Verde.

Existe alguma boa notícia?

A Joint List, uma nova aliança de quatro países árabes que ganhou treze lugares nas eleições é agora o terceiro maior partido no Knesset e dois lugares mais forte do que os partidos árabes combinados no Knesset cessante. Uma certa tentativa de despertar foi evidente no setor árabe durante a campanha. Teremos que ver se continua. A grande descoberta deste período foi o eloquente, encantador e sempre sereno líder da Joint List, Ayman Odeh. Apelaram à plena igualdade para a minoria árabe-palestiniana dentro de Israel e por um fim à discriminação racial e à ocupação da Cisjordânia. Um pouco de nova energia à esquerda não poderá fazer mal. De momento, não será suficiente para desafiar a maré de direita.

Temos trabalho a fazer. Ter esperança é parte desse trabalho. Embora Netanyahu tenha vencido quatro eleições provavelmente acabará, pela sua natureza, por se destruir a si mesmo (e provavelmente a muitos outros pelo caminho). No final, a aliança entre moderados e ativistas de ambas as partes poderá vir a torna-se forte, ou mais forte, do que a aliança de sangue tácita ente Netanyahu e o Hamas, o Hezbollah e o ISIS. Teremos muitas oportunidades para testar esta proposição.

A justiça, a generosidade e a empatia não são estranhas à tradição judaica, embora por vezes se encontrem enterradas. Talvez a esperança resida numa visão de todo o território a oeste do rio Jordão como mais do que um Estado mas menor que dois, sob condições de verdadeira igualdade. Existem grupos dentro do que resta da esquerda israelita que pensam de forma criativa e, praticamente, dentro destas linhas. Uma coisa é certa: a procura pela total emancipação dos palestinianos sob domínio israelita acabará por se revelar irresistível. O que acontecerá depois disso, ninguém poderá dizer.

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