Grécia: como se chegou a este ponto
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Conheça o recente desenrolar de acontecimentos que estão a levar à eminente tragédia grega.

A democracia é confusa. Os gregos sabem-no melhor do que a maioria, tendo inventado o conceito.

Mas ao inesperadamente pedir um referendo relativamente à sua mais recente proposta de resgate o governo grego desencadeou – em nome da democracia – uma sequência altamente incerta de eventos que parece pouco preparado para gerir. O mais recente malabarismo político levou os gregos a esvaziarem as suas contas bancárias ao longo do fim de semana, temendo pela estabilidade do vacilante sistema financeiro do país.

Para deter esta maré os bancos estarão fechados nesta segunda-feira (29 de junho) com os levantamentos em caixas automáticas provavelmente limitados a apenas €60 por dia, quando reabrirem. Estas restrições drásticas são necessárias para manter os bancos à tona e, mais importante, para manter a Grécia na zona euro. O próprio euro sofreu um pequeno choque, cedo, no mercado asiático.

A turbulência desencadeada pelo inesperado referendo – visível pelas longas filas nas caixas automáticas por todo o país – ameaça terminar, de uma vez por todas, com a tábua de salvação com a qual os gregos têm contado nos últimos cinco anos. As coisas podem ficar ainda piores na Grécia, já em depressão profunda. Na verdade, um proeminente político grego alertou, em tempos, relativamente à realização desses plebiscitos:

"Se o próprio primeiro-ministro grego coloca a população a enfrentar tais dilemas... Os bancos gregos e a economia grega irão entrar em colapso mesmo antes das pessoas chegarem às mesas de voto... Por causa da possibilidade das pessoas terem de enfrentar esse dilema – poderão votar “não”."

Esse político foi o atual primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, que em 2011 criticou o então primeiro-ministro pela imprudência de lançar um referendo relativo a um anterior acordo de resgate (a votação acabou por ser cancelada e custou ao líder a sua posição). Agora que Tsipras está no poder e a fazer campanha contra o seu próprio conselho não é de admirar que o resultado do mais recente capítulo no drama de resgate da Grécia não seja tão difícil de prever.

Mas como aconteceu tudo isto?

Tsipras surpreendeu toda a gente ao lançar um referendo nacional relativo à possibilidade de o governo aceitar ou rejeitar a última proposta dos seus credores para prolongar o resgate do país. Tsipras anunciou o referendo num discurso televisivo na madrugada de sábado (27 de junho). A votação será realizada no dia 5 de julho, disse, o que exige uma curta extensão do atual acordo de resgate para além do final de junho. Mas mais tarde, naquele dia, os ministros das finanças da zona euro rejeitaram o pedido de prorrogação. Pela primeira vez os negociadores pareceram honrar um prazo.

Embora a lógica do estratagema do referendo seja compreensível – deixar a população escolher o seu veneno – a sua execução é desajeitada, para dizer o mínimo. Existe a possibilidade surreal de, no 5 de julho, os gregos votarem numa proposta que já não se encontra válida.

E agora?

A Grécia está falida – nisto todos concordamos. Na terça-feira (30 de junho), quando o acordo de resgate da Grécia expirar, o país deverá ao FMI cerca de 1.5 mil milhões de euros em amortizações de empréstimos. Esta é a primeira de muitas contas que Atenas enfrentará nas próximas semanas – e que quase certamente não poderá pagar sem desbloquear ajuda financeira adicional. O incumprimento parece inevitável.

Embora indesejável, não cumprir obrigações junto do FMI não é considerado incumprimento pelas principais agências de classificação de crédito, focadas na dívida detida por credores do setor privado. Adicionalmente, o FMI alerta para pagamentos em atraso e concede algum tempo para se saldarem as dívidas antes de publicar um aviso oficial de inadimplência.

As cláusulas do fundo de resgate da zona euro e do BCE incluem disposições para convocar empréstimos se o país falhar um pagamento a outros credores – mas as autoridades sugerem que não seriam rápidos a promulgar estas cláusulas enquanto houver esperança de alcançar algum tipo de acordo que mantenha Atenas à tona.

Estão os bancos prestes a falir?

Se tudo isto parece muito confuso é porque realmente é. A principal fonte de confusão passa pela questão de como irá funcionar o sistema financeiro grego se o acordo de resgate do país está quase a expirar.

Se não for possível, e não estiver iminente ajuda de instituições da zona euro, a única forma de sustentar os bancos falidos e pagar outras contas do Estado passará por abandonar o euro e começar a imprimir dracmas, que ao contrário do euro estariam totalmente sob o controle do Estado grego.

Evitados pelos mercados a única fonte de dinheiro dos bancos gregos, a preços acessíveis, para atender os crescentes levantamentos vem da denominada “Assistência de Liquidez de Emergência” do Banco Central Europeu. Depois de aumentar progressivamente a quantidade de apoio de emergência que forneceria aos bancos gregos hoje o BCE disse que devido ao colapso nas negociações do resgate iria congelar o seu apoio nos atuais níveis, que simplesmente não são suficientes.

Isso significa que a única forma de deter a saída de dinheiro dos bancos é impor novos controles de capital. Ao anunciar as medidas hoje à noite, Tsipras apelidou a limitação do BCE relativamente à liquidez de emergência à banca como uma tentativa de “sufocar a vontade da população grega” antes do referendo.

Então, o que acontece agora?

Será de esperar uma semana de recriminação amarga, inquietação e medo. Os credores da Grécia culpam a Grécia de romper as negociações e mais ajuda não será disponibilizada sem uma mudança drástica por parte do governo grego. Entretanto, o apoio de emergência do BCE está limitado – mas não cancelado – garantindo um limitado apoio aos bancos que estão agarrados ao dinheiro, fechando as suas portas e restringindo as transferências. Este é o pano de fundo para o período de preparação do referendo.

Da sua parte, Tsipras está preparado para pressionar o voto pelo “não” através de uma “campanha com conotação nacionalista-populista e baseada em mensagens de desafio, resistência contra a ‘intervenção estrangeira’, opressão pelos credores e oportunidade de decisão aos eleitores” diz Wolfango Piccoli, um analista do grupo de investigação Teneo Intelligence. Estes são os temas que levaram o Syriza ao poder em primeiro lugar – e pelos quais mantém altos índices de aprovação.

Mas as pesquisas mostram que a maioria dos gregos também quer ficar na zona euro. Na verdade, Yanis Varoufakis, ministro das finanças grego, admitiu aos jornalistas que existe uma “muito alta probabilidade” de os gregos votarem “sim” – ou seja, aprovando as propostas dos credores contra os desejos do governo.

Escusado será dizer que isso colocaria o governo numa situação difícil e quase certamente exigiria uma remodelação na liderança ou, possivelmente, uma nova eleição. A oposição irá apontar para as filas de pânico nas caixas automáticas e agências bancárias fechadas como sinais de que o governo está a empurrar o país para fora da zona euro e para território desconhecido. Os analistas também esperam volatilidade nos mercados europeus, com os investidores a recuar para ativos mais seguros e a deixar o euro. E a história mostra que o controle de capitais tende a permanecer por um longo tempo sem medidas drásticas.

E assim o povo grego foi atirado para o fundo do poço e o seu futuro financeiro está mais incerto do que nunca. Dentro de uma semana serão chamados a fazer uma escolha que irá determinar o caminho económico do seu país, com ambas as opções a trazerem diferentes tipos de dor a um povo que já sofreu muito.

Como com tantas outras coisas na procura de um acordo ao longo dos últimos meses as ações dos principais atores – de ambos os lados – parecem improvisadas (na melhor das hipóteses), incompetentes (na pior das hipóteses) e completamente incoerentes.

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