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A posição de maior consumidor mundial de matérias-primas dá à China uma grande influência sobre o mercado. Perceba como o país está a utilizar essa influência para ditar as regras que melhor se adequam às suas necessidades.

O maior consumidor mundial de matérias-primas já não é apenas um comprador insaciável de todo o tipo de produtos, desde carvão a ouro. Uma China mais rica, mais seletiva e com um crescimento mais lento está também a tornar-se numa potência exportadora. Também está a utilizar o seu poder para alterar a forma como as matérias-primas são negociadas, trazendo os mercados para a sua porta e ditando as regras que melhor se adequam às suas necessidades, em vez de seguir os mandamentos dos produtores e financiadores ocidentais.

Por exemplo, esta semana os reguladores chineses deram o seu aval para os investidores estrangeiros poderem negociar futuros de crude em Xangai. Quando isso começar a acontecer – provavelmente em setembro – será a primeira vez que alguém do exterior tem permissão para comprar e vender um contrato de futuros chinês. Isto faz parte de um plano para alterar a forma como as matérias-primas são negociadas, afirma Owain Johnson da Dubai Mercantile Exchange (DME). A bolsa de Dalian, um porto através do qual muitas matérias-primas entram na China, tornou-se no maior centro de negócios de minério de ferro a nível mundial, em menos de dois anos. Xangai, por seu turno, desenvolveu grandes mercados de níquel e cobre.

Muitos esperam que muito do comércio de ouro também se mude para a China. Alegações de especulação abalaram o atual centro de negócios, em Londres. A China – o maior produtor mundial de lingotes de ouro – anunciou em junho que iria lançar um contrato de ouro em ienes, em Xangai, até ao final do ano.

A China está a atingir a “massa crítica com a sua influência sobre o preço das matérias-primas”, afirma Grant Sporre, do Banco Alemão.

Esta é uma forma muito mais sofisticada de exercer a sua influência, comparando com o passado recente. Em 2010, uma tentativa da China em conduzir o mercado em materiais raros – 17 metais exóticos utilizados em quantidades minúsculas em muitos dispositivos modernos – falhou espetacularmente. A China, que na altura produzia 97% dos metais de materiais exóticos, baniu as exportações na esperança de chamar o negócio destes materiais para dentro das suas fronteiras. Mas os materiais raros provaram não serem assim tão raros: as empresas de todo o mundo reativaram as suas minas antigas e aumentaram a produção, e no final de 2011 os preços tinham caído a pique.

Agora, o objetivo é ganhar controlo sobre a estipulação dos preços. A principal referência global para o crude de petróleo, o Brent, baseia-se em dados compilados pelas agências de monitorização de preços, que por sua vez registam os negócios efetuados durante um curto período de tempo durante um dia. As empresas petrolíferas controladas pelo governo chinês têm vindo a ter um papel mais importante nesse processo, mas, para o governo daquele país, a possibilidade de trazer o mercado para mais próximo das suas fronteiras poderá permitir cortar nos custos e reduzir o impacto dos acontecimentos em locais distantes e de onde a China importa pouco petróleo.

“Eles questionam-se: porque é que uma greve dos trabalhadores petrolíferos noruegueses tem de afetar a nossa economia?”, explica Owain Johnson.

Sendo o maior importador mundial, a China pretende ter o seu próprio preço de referência, baseado em dados transparentes e abrangentes, estipulado na sua própria moeda e governado pelas suas leis. O contrato de futuros de petróleo de Xangai visa atingir esse objetivo.

À medida que crescem as transações no território chinês, os rivais começam a sentir a pressão. A bolsa de futuros de Xangai está a impedir os esforços da Hong Kong Exchanges and Clearing, que tenta expandir o seu comércio de metais no seguimento da aquisição da bolsa de metais de Londres, em 2012. Em março, a bolsa de Xangai ameaçou processar a sua congénere de Singapura por copiar um contrato de futuros.

Contudo, há vários obstáculos no horizonte. Os investidores estrangeiros não vão gostar da ideia de suportar os riscos de negociar em títulos e matérias denominadas em ienes. Em caso de disputas, a segurança do sistema legal inglês será difícil de igualar. E a confiança tem sido abalada por um escândalo que envolve armazéns chineses de matérias-primas, no qual os metais foram utilizados como colaterais em letras de crédito para contornar as restrições aos negócios com empresas estrangeiras.

A China está a deixar deixar a sua pisada nos mercados de matérias-primas através de outras formas. À medida que a sua economia abranda e o investimento dá lugar ao consumo enquanto principal fonte de crescimento, as necessidades do país também estão a mudar. A procura pelos produtos primários utilizados na construção de casas e infraestruturas – como carvão, ferro, aço, e alumínio – está a abrandar. A China já atingiu o seu pico de carvão (o consumo está a cair, com as crescentes preocupações ambientais); o pico do aço não está muito distante, com um crescimento esperado de apenas 1% a 3%. Até mesmo o cobre está a cair ligeiramente. O consumo costumava crescer mais depressa que o PIB, aponta Colin Hamilton da Macquarie, e agora fica aquém. Uma outra possível dor de cabeça é que a China, outrora uma esponja para matérias brutas, está a tornar-se uma exportadora de produtos como o aço inoxidável e o alumínio, graças à energia barata e abundante, aos desenvolvimentos tecnológicos e à expansão da capacidade de fundição.

Em vez disso, os exportadores têm de procurar o crescimento através de outras matérias-primas. Os consumidores chineses mais ricos estão a aumentar a procura por produtos lácteos, carne, chocolate e joalharia. Isto tem um efeito direto tanto nestes produtos como nas matérias-primas utilizadas na sua produção. Enquanto as importações de minérios de ferro estão em queda, por exemplo, a procura por rebentos de soja, que é utilizado para alimentar o gado, continua a crescer rapidamente (ver gráfico). Isto acontece, em parte, porque a China alcatroou muitas plantações de soja, mas principalmente porque o consumo de carne está em alta.

Ainda não é certo, contudo, que esta tendência se possa manter. A média de consumo de calorias por parte de um cidadão chinês já é superior à média global, e quase 85% do nível americano. Uma mudança saudável do porco para o frango iria cortar a procura por matérias-primas de agricultura, aponta a firma de consultadoria Capital Economics. A Hershey, uma empresa de doces, teve de reduzir as suas previsões do crescimento de vendas na China.

A indústria de matérias-primas será modelada de acordo com os comportamentos da população, mais especificamente se a China adota os velhos hábitos ocidentais ou se opta por outros mais saudáveis. Mas o seu impacto no comércio é ainda mais imediato. Tal como qualquer bom capitalista sabe, o cliente tem sempre razão. A China está a utilizar o seu poder enquanto comprador para garantir que o negócio de matérias-primas é feito à sua maneira.

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