Em que consiste a “revolução” blockchain?
Arthur Lebedev/TASS
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20 de Fevereiro de 2018

A blockchain é uma filosofia, uma forma de olhar para o mundo | É uma revolução iminente que irá mudar a democracia ocidental e o capitalismo como os conhecemos

Qualquer pessoa atenta às notícias poderá lhe dizer que a blockchain está revolucionando tudo. Talvez até já tenha ouvido histórias incríveis de empresas que adicionaram o termo blockchain à sua designação e que viram o preço das suas ações disparar da noite para o dia.

Mas me deixe salientar o óbvio: no que diz respeito ao americano, coreano, brasileiro, italiano ou espanhol médio, a blockchain é apenas uma moda — um jargão tecnológico. Mesmo que venha a sobreviver após toda esta promoção, talvez não valha a pena perder tempo para a compreender, a menos que seja um gênio da informática.

Mas afinal, o que é a blockchain?

A blockchain é, em primeiro lugar, uma filosofia, uma forma de olhar para o mundo. Resumindo, a essência é esta: toda a informação deve se encontrar segura e deve, simultaneamente, pertencer a todo o mundo. Nenhuma parte deveria poder manipulá-la e nenhuma informação deveria ser fabricada, escondida ou apagada sem que todos o saibam ou a conheçam.

Muitas pessoas ainda pensam na blockchain como sinônimo de criptomoedas, como a Bitcoin, a Ether ou a Ripple. Porém, as potenciais aplicações da blockchain vão muito além das transações financeiras. Pense na sua utilização para tornar as eleições políticas invulneráveis a manipulações — ou na sua utilização em tribunais, registros e conservadoras ou contabilidade tributária. Abreviando: em qualquer área onde seja necessário proteger dados.

É preciso compreender que a blockchain não é uma forma de ganhar dinheiro rapidamente. É uma revolução iminente que irá mudar a democracia ocidental e o capitalismo como os conhecemos.

Em meados do século XX a humanidade permanecia, inconscientemente, em uma constante bifurcação — tendo de escolher entre informação e espaço. Os escritores de ficção científica sonhavam com cidades em Marte ou mesmo com a conquista de toda a Galáxia. Se lembra de alguém que previsse a Internet?

Parece que esses escritores estavam enganados.

Talvez a humanidade venha a explorar o espaço um dia, como Elon Musk pretende, mas por agora somos como Cristóvão Colombo que escolheu não navegar até à América mas remar até ao ilhéu mais próximo e voltar para casa com um engraçado aplicativo para iPhone.

Os soviéticos que enviaram o primeiro homem para o espaço e os norte-americanos que aterraram na lua derivaram de sociedades industriais. A sociedade pós-industrial tem ainda melhores meios de produção — mas é a informação, não os bens físicos, o recurso mais valioso agora. E precisamos de novas formas para lidar com o mesmo.

Me pergunto quantas pessoas já terão percebido que as instituições políticas, clássicas, do ocidente começaram rebentando pelas costuras. Em anos recentes, os sintomas se tornaram óbvios, do Brexit ao referendo na Catalunha, de Trump a Berlusconi e por aí em diante. Como se de repente alguém tivesse libertado um vírus que alterasse a mente, capaz de tornar eleitores respeitáveis em loucos.

Talvez a razão seja o fato das constituições dos Estados Unidos e da França, a base das democracias modernas ocidentais, terem sido escritas quase um século antes do telefone ter sido inventado.

Os filósofos do Iluminismo, e os pais fundadores dos estados norte-americanos, eram inquestionavelmente grandes pessoas. Criaram um sistema que permaneceu funcional por mais de dois séculos. Porém, o mundo mudou. Na altura, eram necessários dias para levar o texto da constituição dos EUA, a cavalo, até fronteiras remotas. Hoje basta uma fração de segundo.

Porém, não se trata apenas de o transporte e comunicações se terem tornado mais eficientes. Um ritmo de vida mais rápido nos permite reconsiderar o próprio fundamento da organização social. Já alguma vez se perguntou porque é que as primeiras democracias precisavam de parlamentos? Imagine um território com um milhão de pessoas onde, para votar a favor ou contra determinada lei, era necessário cada indivíduo se dirigir ao capitólio em pessoa. Não era possível, claro. Assim, passaram sendo escolhidos representantes que promovessem os seus interesses.

As tecnologias modernas nos permitem voltar à democracia direta, como em Atenas, apenas agora não teremos de nos encontrar na ágora e gritar. É claro que tal só irá funcionar se todos tivermos acesso à Internet e a toda a informação necessária para uma decisão bem fundamentada. A essência da revolução baseada na blockchain é que esta traz democracia para a conclusão lógica. Toda a gente deve saber tudo. Ou pelo menos deve ter esse direito.

No entanto, há questões por responder. Em geral, não é claro se o próprio estado, como o conhecemos, será necessário de todo. Que tipo de tribunais a nova sociedade deverá ter? Que tipo de polícia? Que tipo de impostos?

Estamos à beira de grande mudança ao nível da formação social, pelo menos tão disruptiva como a transição da Antiguidade para a Idade Média ou do feudalismo para o capitalismo. Talvez até já tenhamos atravessado esse limite.

A revolução está em pleno andamento, só ainda não percebemos isso.

Ilya Klishin

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