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Julie Zhuo critica o facto de vivermos numa sociedade em que ter ideias é muito celebrado quando o que faz realmente a diferença é a capacidade de seguir com as ideias em frente.

Muitas pessoas da área da criatividade, eu incluída, sucumbimos à fantasia da “Pessoa das Ideias”.

Essa pessoa entra pelo escritório com uma tal graciosidade, quase como se dançasse, a sua mente a florescer como se de uma flor de lótus se tratasse. Uma ideia está a despontar! E que maravilhosa ideia essa, brilhante como uma promessa, cintilante de antecipação do que poderá vir a ser. Apesar de a ideia ser pouco mais que um fantasma nesta fase, a Pessoa das Ideias já a consegue vislumbrar, saborear ou tocar parte dela – uma afirmação infalível, uma cena que faz um nó na garganta, um conceito impressionante, uma interação intuitiva. Esta ideia tem pernas para andar! Tudo o que é preciso, é que essas pernas cresçam fortes, se aguentem de pé e corram em direção à barreira que se intromete entre a imaginação e a realidade até a quebrarem.

Assim, a Pessoa das Ideias reúne a sua talentosa equipa, conta-lhes a sua ideia e diz “dêem-lhe vida!” Então, esta equipa – sendo tão talentosa e diligente – agarra na ideia e leva-a até ao laboratório, metem mãos à obra ao mesmo tempo que fazem a sua magia e voilá! A ideia ganha vida tal como o Casper ganhou um corpo terreno. O mundo torna-se num lugar muito melhor com esta nova história, filme, invenção, design, produto, serviço, lei, processo – não importa o âmbito da ideia.

Todos ficam terrivelmente chocados e pensam “Uau, que grande ideia teve aquela Pessoa das Ideias”. Feliz a petiz, a Pessoa das Ideias decide tirar umas férias para algum lugar longínquo em busca de inspiração para a próxima Grande Ideia.

Tomei o gosto desta fantasia pela primeira vez quando estava no sexto ano, quando eu e a minha melhor amiga, leitoras ávidas como éramos, decidimos que iríamos escrever os nossos próprios livros. Abancávamos numa mesa depois da escola com um caderno de espirais e uma daquelas canetas de gel com brilhantes, e rabiscávamos a palavra “Ideias” no topo da página.

E lá saiam elas disparadas, como o nevoeiro a descer pelos montes.

  • Uma menina que vive numa brilhante lagoa azul é adotada por uma família de golfinhos. (Baseada na história Julie of the Wolves).
  • Um atraente bando de elfos e fadas embarcam numa jornada para encontrar um cristal brilhante gigante para salvar a sua aldeia de um sono eterno, tentando ao mesmo tempo descobrir quem deve namorar quem no processo. (Baseado no Final Fantasy e em David Eddings.)
  • Uma miúda cria às escondidas um tigre branco com olhos azuis brilhantes como a água e eventualmente torna-se na miúda mais fixe da escola. (Baseado em desejos. E sim, na altura tínhamos uma certa fixação pela palavra “brilhante”.)

Fizemos isto tantas tardes, preenchendo as páginas daquele caderno com dez, vinte, cem ideias, cada uma com um estrondoso potencial. Às vezes chegávamos a casa sem fôlego. Subia pelas escadas acima, com uma dessas ideias a explodir dentro de mim, enquanto disparava a palavra ao som do bater das teclas.

O máximo que consegui preencher foram 60 páginas. Os elfos e as fadas tinham acabado de deixar a sua aldeia e penetrado nos bosques, quando encontram um enigma cravado no tronco de uma árvore.

Somos uma cultura que glorifica as ideias. Nos círculos tecnológicos, todos querem discutir as últimas tendências tecnológicas (transmissão ao vivo! drones!) Na indústria do cinema e editorial, são trocados milhares de emails sobre os temas que são os mais populares (fantasia!) e os que não são (vampiros!). Faça uma pesquisa no Google com “The Next Big Idea” (A Próxima Grande Ideia) e vai obter 300 milhões de resultados, muitos deles provenientes de publicações em blogs pretendendo deter o segredo para o sucesso. Muitas vezes nas entrevistas, os candidatos são avaliados em termos de força das suas ideias. Em jantares de amigos e família, adoramos sentar-nos junto da “Pessoa das Ideias”.

E no entanto, as pessoas com mais tendência para serem apelidadas de “Pessoa das Ideias” sabem exatamente o quão pouco uma ideia vale por ela só.

  • O Harry Potter não foi o primeiro livro a falar sobre um rapaz que estudava numa escola de magia.
  • O Google não foi o primeiro mecanismo de pesquisa.
  • Já há mais de metade de um século que sabemos como prevenir e tratar a malária, e no entanto, todos os anos cerca de 200 milhões de pessoas ainda sofrem com a doença.
  • Nós, que crescemos com a informação ao nosso alcance vimos a ascensão e queda de inúmeras tecnologias, contudo, dois terços da população mundial não tem acesso básico à Internet.

As ideias são como um doce – colorido, divertido, e muito satisfatório. A parte mais difícil – a parte que realmente interessa – é dar-lhe forma. Porque é que não é essa a parte glorificada?

O que é uma “Pessoa-Que-Segue-Com-As-Ideias-Para-a-Frente”?

  • Alguém que sabe que uma boa execução corresponde a 90% do que faz algo ser concretizado de uma forma bem-sucedida.
  • Alguém que valoriza ter o trabalho feito.
  • Alguém que valoriza a arte de se ter o raio do trabalho bem feito.
  • Alguém que reconheça que para se dar vida a uma ideia, é preciso inspirar os outros a também querer dar-lhe vida, através de uma combinação de planeamento, pesquisa, pensamento crítico e esforço.
  • Alguém que se embrenhe no mais ínfimo pormenor todos os dias.
  • Alguém que não se pavoneie sempre que tem uma boa ideia, apenas quando a encarnação da ideia é boa.
  • Alguém que não vacile com a possibilidade de a sua ideia não ser boa o suficiente.
  • Alguém que seja líder na adversidade, no repetitivo, na frustração, no tédio, enfim, em todo o processo para tornar algo real.

Vamos felicitar essa pessoa!

Vamos fantasiar em ser essa pessoa

Na minha história, os elfos e as fadas nunca chegaram a sair dos bosques. Mas nas histórias da minha melhor amiga, eles seguiram pelo bosque fora para viver grandes aventuras. Durante o Verão, ao visitar uns familiares no estrangeiro, ela escrevia. Nos dias de semana, à noite, depois de acabar os trabalhos de casa, ela escrevia. Nos fins-de-semana, enquanto desperdiçávamos descuidadamente o nosso tempo livre, ela escrevia.

Ela demorou meses a acabar uma única história, pois escrever é um assunto muito trabalhoso. Cheguei a vê-la a escrever e a reescrever cenas. Vi-a a cortar uma personagem com a precisão de um cirurgião e a colocar meticulosamente uma nova no lugar da anterior, página a página. Vi-a a transplantar a história num cenário completamente diferente e a refazer todos os pormenores que sairiam afetados. Quase como tentar tirar um fio de uma cor específica de um cachecol durante o seu processo de confeção.

Mas a minha amiga é uma “Pessoa-Que-Segue-Com-As-Ideias-Para-a-Frente”, e é graças a isso que ao longo destes anos, tive o enorme prazer de saborear muitas das suas histórias.

Não sou a única. Muitas pessoas o podem fazer, porque a minha amiga Marie Lu, é atualmente uma autora best-seller.

Nada é mais excitante do que a promessa de uma boa ideia. Mas nada acontece se não seguir com as ideias para a frente.

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