No restaurante “Yajima Sushi”, em Tóquio, levam o sushi muito a sério. Tão a sério que até criaram regras rígidas sobre como deve o sushi ser consumido. Conseguirá assim saborear a essência do sushi?
O meu primeiro almoço no Yajima Sushi, em Tóquio, mais pareceu um rapto.
Havia lugares disponíveis ao balcão mas o chefe, Susumu Yajima, disse-me para escolher um lugar próximo de si e esperar. Fui encaminhado para um lugar à sua frente e deu-se início ao ataque: peça após peça, em rápida sucessão, à medida que Yajima me berrava ordens. “Coma agora!” disse ele, milésimos de segundos depois de me passar uma brilhante fatia de buri (seríola) sobre shari (o pedaço de arroz que forma a base do nigiri). Repreendeu-me com um “Utilize a sua mão!” enquanto eu pegava nos pauzinhos. Ordenou-me até a mastigar parte de um pedaço antes de o engolir com saquê.
Foi o sabor do peixe, ou alguma variante culinária do Síndrome de Estocolmo, que me fez voltar e voltar sempre? De qualquer das formas apaixonei-me pela sala com teto baixo, escondida no porão de um edifício indefinido numa estrada principal em Shibuya. E acabei por perceber que a prepotência de Yajima era parte integrante da razão de voltar.
Durante outra refeição, enquanto seguia as suas ordens à letra, comecei a suspeitar de que haveria algo profundo por detrás das mesmas. Algumas eram rudimentares e bastante comuns; outras eram únicas para ele; outras, ainda, lembravam as origens do sushi como comida de rua do período Edo.
Quando reuni coragem para perguntar sobre isso a sua mulher, Yoshiko, gritou da cozinha: “Ele é só estranho!” e Yajima assentiu: “Estou só a forçar a minha perspetiva junto dos meus clientes”. Mas lentamente, ao longo de várias refeições, abriu-se e disse-me mais: como é que se tinha tornado chefe; como é que ele e a sua mulher tinham gerido o seu sushi-ya juntos durante quase 34 anos; e como a história da sua vida, e daquele lugar, estava sintetizada nos seus Dez Mandamentos do Sushi.
Depois de juntar um extremamente fresco pedaço de aji (carapau) com cebolinho e gengibre, à máxima velocidade, pedi a Yajima-san para abrandar e explicar porque é que queria que eu comesse tão depressa.
Respondeu: “O sushi é fast food (...) você nem sequer se deveria sentar para comê-lo. Somente na década de 50, antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio, é que passaram a existir locais de sushi com possibilidade de estar sentado. Antes era somente servido em yatai (bancas de rua). Agora já não existem bancas de rua – regras sanitárias.”
“Eu percebo a história,” disse eu. “Contudo, qual o objetivo de servir tão depressa?”
Ele colocou uma fatia de ika (lula) sobre a superfície de mármore preto à minha frente. “Um, dois, três.” contou.
“A cada segundo que passa o peixe entra em declínio. É por isso que quero que o coma imediatamente.”
Uma manhã viajei para Tsukiji, o enorme mercado de peixe de Tóquio, com o Yajima-san. Ele conduzia uma pequena moto empilhada com recipientes de isopor onde carregava as provisões do dia de volta para o seu restaurante – e pagava tudo em dinheiro, como é costume. Ele disse-me que o almoço que estava prestes a servir era a própria, e talvez a única, vez que aquele sushi deveria ser comido.
“Existe muito arroz no sushi,” disse. “Irá enchê-lo. É por isso que deverá comê-lo ao almoço. É claro que tenho que servir jantares para sobreviver mas quando faço sushi para o jantar coloco menos 50% de arroz em cada peça.”
Enquanto Yajima-san faz compras em Tsukiji a sua mulher corta e limpa o camarão, descasca as amêijoas para a sopa e cozinha e tempera o arroz. Quando Yajima regressa o cheiro dos seus cozinhados é já intenso – da forma que ele gosta.
“É toda a experiência,” diz, “não apenas o sabor. Há também o toque e o cheiro – o sentimento que você tem em relação a um lugar.”
Já fui a bastantes restaurantes de sushi em Tóquio, minimalistas e de alta qualidade, cujas criações surgiram como que do nada, parecendo arte no prato. Yajima oferece algo diferente: um ambiente único que corresponde à extensão da sua própria personalidade excêntrica. Poderá ser apanhado no final da hora de almoço a fumar. Trata-se fundamentalmente do seu sushi-ya e eu estava feliz por tê-lo a mandar em mim por lá.
“Nos grandes restaurantes de sushi o cheiro do peixe desaparece pois os tetos são demasiado altos para o conter.” Diz Yajima-san. “Lugares mais pequenos são onde se serve a melhor comida. O seu tamanho capta o sabor.”
No final da refeição ofereci-me para pagar um saquê a Yajima-san e ele fez algo que eu nunca tinha visto antes: pegou no meu pequeno copo, que tinha somente um ou dois goles, voltou a enchê-lo e de seguida verteu um novo e diferente. Brindámos e ele bebeu do meu velho copo. Apesar da sua forma de estar autoritária ele era realmente um indivíduo muito quente.
“O sushi é delicado” disse-me Yajima-san. “É fácil o arroz partir-se ou desintegrar-se quando você utiliza pauzinhos. Isso prejudica o formato. Além disso, quando você usa as suas mãos você sente o sushi – e pode levá-lo mais rapidamente à boca.”
Antes de terminar cada peça ele arrasta-a ao longo da superfície preta como se estivesse a usar o arroz para a limpar. “É assim que vai ficar compacto.” explica. Alguns restaurantes de elite no Japão são ichigen-san okotowari (não permitem clientes estreantes) o que significa que um cliente regular terá que o apresentar antes de você poder fazer uma reserva. Yajima, por outro lado, recebe toda a gente desde que sejam seguidas as suas instruções. Além disso, ao contrário de muitos lugares únicos em Tóquio, ele e a sua mulher fazem um esforço para estarem abertos a estrangeiros (ela começou a estudar Inglês, de forma intensiva, há 18 meses e já fala bastante bem). Isto torna a característica natureza-ligada-a-regras do restaurante muito mais fácil de aceitar.
Como em muitos bons restaurantes de sushi Yajima mantém o seu arroz ligeiramente quente e recusa-se a servir várias peças no mesmo prato. Prepara cada uma delas individualmente, coloca-as em frente ao seu destinatário e força-o a comê-las de seguida.
Como último passo antes de servir Yajima pincela o topo da maioria das peças com uma pasta castanho escuro. “Este líquido é nikiri,” explica. “O meu é constituído por 70% de molho de soja, 20% de mirin e 10% de saquê. Você deve fervê-lo para evaporar o álcool. Assim que começar a ferver você deve desligar o lume. É por isso que lhe chamamos nikiri, que significa desligar no ponto de ebulição.”
“Nunca utilizo molho de soja puro,” diz “É demasiado forte. O meu molho é mais sutil.”
A primeira vez em que estive prestes a comer um pedaço de molusco cru após beber algum saquê Yajima disse algo à sua mulher, em japonês, para que a mesma traduzisse: “Mastigue um pouco mas não engula.” Eu obedeci.
“Agora beba saquê!” disse Yajima. A combinação foi perfeita. A frescura da bebida cortou a intensidade salgada do molusco. “Você deve mastigar o peixe ligeiramente para o mesmo soltar algum do seu sabor. De seguida deve beber um pouco de saquê enquanto ainda tem o peixe na sua boca. Cada saquê tem um sabor próprio mas quando o mistura com peixes diferentes você descobre muitos mais.”
Yajima-san tem 63 anos de idade. São os únicos funcionários a trabalhar desde as oito da manhã até à meia-noite, com um intervalo de três horas entre o almoço e o jantar. Criaram cinco filhos aqui: duas raparigas e três rapazes. A mulher de Yajima trabalhou semprem logo após ter dado à luz, e quando os seus filhos eram ainda crianças carregava-os às costas enquanto cozinhava. As crianças chegavam todos os dias da escola e sentavam-se calmamente num tatame, na parte de trás do restaurante, a fazer os trabalhos de casa e com cuidado para não perturbar os clientes a poucos passos de distância.
Não se trata de uma vida fácil mas a baixa sobrecarga oferece a Yajima-san a liberdade de gerir o restaurante de acordo com os seus próprios princípios. Não responde a ninguém – exceto à sua mulher.
“Ela dá-me nervos, por vezes. É por isso que preciso dos meus cigarros. Mas ele á a chefe!” diz. “É assustador quando nos chateamos.”
Há um restaurante de ramen em Tóquio que tem cortinas ao redor de cada assento. O seu objetivo é simples: mesmo que você vá com amigos quando o ramen é colocado à sua frente você deve focar-se somente nos noodles – sem se distrair com os seus companheiros. No restaurante de Yajima não existem cortinas físicas mas a ideia é mais ou menos a mesma: concentre-se no sushi, em nada mais.
Yajima-san disse-me: “Comecei a trabalhar no restaurante de sushi do meu pai quando tinha 10 anos e soube então o que queria fazer quando crescesse. (...) Sempre o achei tão tranquilo. Costumava dizer-me ‘Nunca te tornes um assalariado. São tão chatos. Faz sushi.’”
Não é a forma como os seus filhos pensam. Nenhum quer assumir a gestão do negócio – talvez por terem crescido literalmente no restaurante e saberem o quão difícil pode ser.
“Para mim,” diz Yajima “isto não é um trabalho. É um hobby que faço todo o dia, todos os dias. É algo que adoro. Nunca me irei reformar de ser sushiman.”