Há multimilionários que levam um estilo de vida modesto apesar de terem fortunas imensas. Qual será a explicação que os especialistas dão a esse tipo de comportamento?
Milionários que são frugais quando não têm que ser. Bob Weidner gosta de fazer um jogo em que vai para uma loja outlet de alta qualidade, como a Brooks Brothers ou a Ralph Lauren: quantas coisas pode comprar sem gastar mais do que 100 dólares norte-americanos? Na sua última visita a resposta foi sete.
“Todos os anos vamos aos outlets e fazemos bons negócios.” Diz. “Vale a pena.”
A sua mulher, Angela Marchi, que o repreende por remendar as suas meias (somente nos dedos, não nos calcanhares, defende-se Weidner) prefere comprar as suas roupas duas vezes por ano quando as suas lojas favoritas colocam as coleções do ano anterior à venda. Contudo recentemente fez uma exceção e comprou ao seu marido uma camisa Tommy Bahama que ele queria – num site que vende roupas já um pouco desgastadas.
“Ele recusa-se a pagar o preço total da mesma.” Disse.
Você não o poderia saber a partir dos seus hábitos de compras mas Marchi, de 56 anos, uma executiva sénior de cuidados de saúde que já geriu redes de hospitais, e Weidner, de 57 anos, um investigador sénior numa grande empresa sem fins lucrativos, valem milhões de dólares. E apesar de possuírem três casas – em condomínios em Naples e Boca Raton, na Flórida, e uma casa em Lebanon, na Pensilvânia, onde cresceram, nenhuma delas é enorme. A sua extravagância é uma viagem anual a Itália.
O casal é a cara do milionário por esforço próprio que tem a segurança financeira de verdadeira riqueza, não a pressa fugaz de riquezas repentinas. Enquanto que a perceção popular dos milionários é que os mesmos são mais ostensivos do que frugais, pesquisa recente mostra que os milionários de um único digito, pelo menos, são geralmente muito mais conscientes sobre como economizar, gastar e investir o seu dinheiro.
“Trata-se de prestar atenção ao que o faz feliz e não apenas fazer o que a nossa sociedade nos diz para fazer.” Diz Donna Skeels Cygan, uma conselheira financeira em Albuquerque e autora do livro “The joy of financial security”.
“Eles olham para o dinheiro como uma ferramenta.” Avança relativamente a casais como Marchi e Weidner, com quem trabalhou. “É uma ferramenta importante. Não a negligenciam, mas também não a veneram.”
Um relatório recente do UBS Wealth Management concluiu que as pessoas com mais dinheiro são geralmente felizes, o que provavelmente não surge como grande novidade.
“Eu diria que os milionários, em geral, são bastante felizes.” Diz Paula Polito, diretora de estratégia de clientes na UBS Wealth Management Americas. “Não confundiria felicidade com contentamento, satisfação ou realização.”
O relatório da UBS descobriu que a satisfação aumenta em linha com a riqueza: 73% daqueles com 1 milhão de dólares ou 2 milhões de dólares, 78% daqueles com entre 2 milhões de dólares e 5 milhões de dólares e 85% daqueles com mais do que 5 milhões de dólares declararam estar “muitos satisfeitos” com a vida.
O que despertou a minha curiosidade foi o quão distintos eram os entrevistados para o relatório relativamente à origem da sua riqueza. Muitas vezes têm trabalhos que envolvem muitas horas de dedicação, muita pressão e férias com trabalho.
“Parte desta pressão de manterem a dedicação não é tanto por ganância mas mais por insegurança que poderá ser autoimposta.” Diz Polito. “Se perguntar às pessoas ‘Se soubesse que tinha mais cinco anos de vida agiria de forma diferente?’ eles diriam que sim. É um pouco desmancha-prazeres.”
Dinheiro compra felicidade, diz o relatório. Mas o quão boa é essa felicidade se os milionários que a têm não podem desfrutar da liberdade que o dinheiro lhes dá, da liberdade que a maioria das pessoas gostaria de ter?
Propus-me falar com pessoas que têm o que considero um possível nível de riqueza para pessoas com trabalhos bem remunerados e a capacidade de controlarem os seus gastos e poupança ao longo da sua vida. Tinham riqueza a começar em vários milhões de dólares mas não esticou acima dos 10.86 milhões de dólares, o nível de isenção de imposto sobre imóveis para casais.
Assim que a riqueza das pessoas passe substancialmente a isenção de imposto sobre imóveis, os mesmos precisam de conselheiros fiscais e legais para planear a minimização do imposto. É um bom problema a ter, mas muda a forma como pensam sobre o dinheiro.
Havia linhas comuns neste grupo. Tratam-se de pessoas que tinham feito dinheiro nas suas próprias vidas, tanto por poupança, como por investimento e através de decisões cuidadas relativamente aos gastos – e também por grandes remunerações.
Bob Weidner e Angela Marchi do lado de fora da sua casa em Lebanon, na Pensilvânia
Uma das grandes decisões passava por onde gastar o dinheiro. Uma linha comum passa pela frugalidade relativamente a carros. Não só compravam veículos com preços modestos como os mantinham por um longo tempo.
Carros extravagantes são compras desnecessárias. Steve Ingram, um advogado imobiliário, de petróleo e gás em Albuquerque disse que ele e a sua mulher simplesmente não se importavam muito com bens materiais.
“Temos algumas coisas boas mas conduzo um carro por dez anos e depois troco-o e conduzo outro por mais dez anos.” Disse. “Gostamos de viajar e gastamos dinheiro nisso pois vale a pena ter uma experiência real em conjunto.”
Ingram, de 53 anos, diz que ele e a sua mulher, Mary de 50 anos, foram a Charleston, na Carolina do Sul, e a Savannah, na Geórgia, no verão passado e numa viagem de folia à Nova Inglaterra no outono.
“Fomos uma vez a Las Vegas, entrámos na Cartier e comprámos relógios um para ou outro.” Disse. “Foi realmente uma grande extravagância. Ou poderemos vir a comprar uma peça de arte numas férias. É nessa altura que nos deixamos levar um pouco.”
Heather e John Darby, ambos nos seus 60 anos, dizem que esperaram até se reformarem para construírem a casa que queriam, depois de viverem em casas mais modestas. A sua casa de sonho ronda os 1.000 m2 e fica em Columbia, no Missouri, a 15 minutos do centro da cidade e longe das suas antigas vidas em Los Alamos, no Novo México.
Disseram que perceberam que o que realmente gostavam da sua casa era a privacidade por isso compraram três lotes adjacentes de 2.000 m2. “Formam um semicírculo que é uma zona de proteção entre a nossa propriedade e os locais onde qualquer pessoa poderá construir.” Disse Darby, um engenheiro nuclear. “Costumo gastar dinheiro em bons investimentos.”
É difícil de explicar porque é que os hábitos que ajudaram estas pessoas a poupar milhões de dólares persistem quando são ricas. Poderão querer deixar dinheiro para a caridade ou para os seus filhos. Ou simplesmente não querem mais do que já têm.
“Quer o percebam ou não, prestam atenção ao que os faz feliz.” Diz Cygan. “Têm formas seletivas de gastar em extravagâncias.”
Ou poderão não se sentir confortáveis a gastar pois trabalharam e pouparam toda a vida, diz Sandra Bargar, diretora de gestão de riquezas na Aspiriant, uma consultora com clientes com entre 3 milhões de dólares e 200 milhões de dólares.
Bargar avançou que muitas vezes encoraja os seus clientes a gastarem dinheiro em coisas que tornam as suas vidas melhores ou mais fáceis, como empregadas domésticas, treinadores ou cozinheiros pessoais – mas também em experiências que tornarão as suas vidas mais preenchidas.
De qualquer das formas este grupo aprende com os seus erros. Marchi diz que ela e o seu marido não foram imunes ao canto de sereia de uma casa grande e bonita: “Das duas vezes que o fizemos dissemos ‘Porque é que fizemos isto?’”. “Somos só nós os dois. Não precisamos de tanto espaço.”
Perderam dinheiro em ambas as casas quando tiveram que as vender para se mudarem por razões profissionais.
Considerando essa experiência, ela nunca imaginou vir a ter três casas, mas tem uma explicação. Naples é a sua residência permanente; a casa em Lebanon, na Pensilvânia, fica perto da sua irmã e mãe idosa. Compraram a casa em Boca Raton, onde trabalha, e pagam menos de hipoteca por mês do que pagariam por uma renda.
Quando disse que esperava ter perdido dinheiro com a sua casa em Lebanon quando estavam prontos para vendê-la – não o considerou um erro. Depois de o seu pai morrer há nove anos ela gostava de ser capaz de voar e ficar perto da sua mãe. É um exemplo de gasto de dinheiro em algo que importa.
Mas serão mesmo os multimilionários que cozem as suas meias apenas pelintras? Ou esses pequenos hábitos são inerentes à sua acumulação de riqueza e parte da razão porque alcançaram determinado nível de conforto financeiro?
“É interessante pois não se trata de ganância.” Diz Polito. “Vêm da classe média, da classe trabalhadora, e ainda acham que são parte dos 99% pois é assim que se identificam.”
E não parecem considerar a sua riqueza como garantida. Marchi e Weidner fazem um jogo de gratidão todas as noites. Uma noite desta semana Marchi disse que estava grata pelos antibióticos para uma infeção que teve. Weidner sentiu-se grato pela tarte preparada pela sua sogra.