Os ditadores não destabilizam o Médio Oriente – apenas criam mais terroristas
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Lauren Kosa trabalhou com o Departamento de Estado dos EUA – tendo-se focado nos direitos humanos no Egito – e partilha a sua visão quanto à situação na região.

Ultimamente tenho reparado que um crescente número de políticos americanos sugere que a primavera Árabe foi um desastre e que a região precisa de ditadores para se estabilizar. Ted Cruz insistiu que o Médio Oriente era mais seguro quando Saddam Hussein e Muammar Gaddafi estavam no poder. Rand Paul disse que o caos instalado na atualidade deve-se à queda dos ditadores. Até Bernie Sanders argumentou no programa televisivo "Meet the Press" que, embora o objetivo final seja a democracia, a região seria mais estável sob ditadores.

Quando me dediquei ao Médio Oriente – no Departamento de Estado – vi o quão destabilizadores os ditadores da região eram. De 2010 a 2012 trabalhei com o Egito como técnica de direitos humanos. Pude assistir às brutais táticas do governo de Hosni Mubarak que destabilizaram o país.

Vi o governo de Mubarak desmantelar as próprias instituições que poderiam ter construído o caminho para um país mais estável e pacífico.

Ao restringir o estabelecimento de novos partidos, ao envolver-se em fraudes eleitorais e ao controlar o que poderiam dizer, o governo impediu os partidos políticos da oposição de crescerem e ganharem experiência. E ao tentar controlar as atividades e o financiamento de organizações como o Instituto Democrático Nacional, o Instituto Republicano Internacional e a Fundação Internacional para os Sistemas Eleitorais, diminuiu o acesso dos egípcios à formação política quanto a processos democráticos.

Por vezes o governo recorria a uma abordagem mais direta. Cheguei a encontrar-me com ativistas liberais egípcios que foram presos por causa das suas crenças políticas, com jornalistas que foram presos por aquilo que escreviam e com outras pessoas que tinham sido alvo de violência pelas forças de segurança do país. O que mais genuinamente queriam era melhorar o seu governo e ajudar a construir pontes de ligação entre este e o povo.

Podiam ter sido parceiros, mas, em vez disso, muitas vezes deparavam-se com assédio ou mesmo situações piores. Nunca me vou esquecer do encontro que tive com o corajoso blogger que tinha sido ameaçado e detido pelas forças de segurança. Disse-me que o seu coração estava partido porque o país que ele tanto amava e que queria ajudar era o mesmo que o perseguia.

Nem poderia esquecer-me do político que ansiava ser nomeado candidato representante dos valores democráticos liberais, mas que pertencia a um dos muitos partidos políticos aos quais o governo de Mubarak negava o direito de existir.

Estas são as pessoas e grupos que ajudariam a preparar o Egito para um processo eleitoral rigoroso. Se aos candidatos da oposição tivesse sido dada a oportunidade de exercer, estes poderiam ter realizado campanhas mais fortes. Se à sua sociedade civil tivesse sido dada a oportunidade de florescer, esta poderia ter criado o caminho para uma política baseada nos problemas do país. Mas nunca tiveram a oportunidade de exercer.

As restrições políticas de Mubarak criaram terreno para a revolução egípcia de 2011. As eleições de novembro de 2010, que precederam a revolução, foram consideradas das mais fraudulentas da história do Egito. Os egípcios convenceram-se de que o governo de Mubarak estava disposto a tomar todas as medidas para preservar o seu poder.

O espancamento até a morte do egípcio Khaled Said de 28 anos de idade em 2010, cuja imagem foi amplamente divulgada, foi o mote para a mudança. E como um amigo egípcio me explicou: “não conseguíamos tirar a fotografia da cabeça". Com poucas perspetivas de reforma, a legitimidade do governo desintegrou-se.

Por outras palavras: Mubarak criou o caos que se seguiu à sua destituição.

Com a crescente preocupação com o terrorismo esta é uma lição muito importante. Ao nos aliarmos a homens com poder e influência na região podemos manter as coisas mais estáveis a curto prazo, mas a longo prazo tal irá acarretar custos. O terrorismo prospera nos lugares onde o povo já não considera ter o governo a seu lado. E os direitos humanos desempenham um papel importante nessa equação.

Os ativistas e políticos egípcios que conheci acreditavam firmemente num Egito democrático, mas foram impedidos pelo governo de Mubarak de construir as estruturas políticas e sociais de que precisavam para ter sucesso. Com uma formação política restrita, sem liberdade de expressão e sem capacidade para formar alianças em torno de objetivos comuns, a democracia não se desenvolve na sua plenitude e a verdadeira estabilidade nunca será alcançada.

A repressão de Mubarak revoltou a sua população. Com o intuito de fazer parecer que não havia alternativas, o seu governo trabalhou para reprimir a sociedade civil e impedir o desenvolvimento de pequenos movimentos democráticos liberais. Criou-se a falsa ilusão de que os Estados Unidos tiveram de escolher entre o governo de Mubarak e os radicais islâmicos.

Não é segredo que o Médio Oriente está em chamas e que o terrorismo constitui uma ameaça real no Egito e em toda a região. Mas o inimigo surge quando deixamos de olhar para os governos como responsáveis pelos mais elevados valores das populações. É imperativo apoiar os pequenos movimentos democráticos, incentivando os estados nos quais os cidadãos acreditam ter um futuro e um papel importante.

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