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A nostalgia não está generalizada – contudo não é sentida apenas por parte da classe política. Metade da população considera que o país era mais seguro durante o regime militar.

Bolsonaro, antigo paraquedista do exército e possível candidato presidencial, dedicou o seu voto à memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o DOI-CODI, agência de informações vigente durante o regime militar no Brasil. O deputado elogiou Ustra como “o terror de Dilma Rousseff”.

Está certo quanto a isso. Durante três anos, no início de 1970, a presidente – antiga guerrilheira marxista – foi alvo de tortura, tendo sofrido choques elétricos em diferentes partes do corpo (terá sofrido uma hemorragia interna e perdido um dente quando soqueada por um interrogador).

Rousseff foi apenas uma das milhares de pessoas torturadas pelo regime militar brasileiro. A ditadura foi responsável por inúmeras violações de direitos humanos: detenções arbitrárias, violência sexual e ocultação de cadáveres. De acordo com um relatório da Comissão Nacional da Verdade pelo menos 434 pessoas foram mortas ou desapareceram durante este período: jornalistas, estudantes, professores, médicos, agricultores, sindicalistas, advogados, antigos políticos da oposição e até mesmo uma dona de casa, um diplomata e três padres católicos.

Apesar destas bem documentadas atrocidades algumas pessoas falam confortavelmente do seu apoio ao regime militar – mais de 30 anos depois do fim do mesmo. Durante um protesto anti-governo no ano passado algumas velhotas seguraram cartazes que diziam “Porque não os mataram todos em 1964?” e “Dilma, é uma pena que não te tenham enforcado no DOI-CODI”. É possível ouvir conversas sobre “como as coisas eram melhores” quando os generais estavam no governo em jantares de família ou em táxis.

A classe política do Brasil está presa num enorme escândalo de corrupção. O afastamento de Rousseff do governo – liderado pelo seu Partido dos Trabalhadores, de esquerda – parece iminente. Nestas condições, parece ter ficado mais fácil ser defensor da extrema direita – a elogiar torturadores condenados como se os mesmos tivessem salvo o país do pior terror.

Bolsonaro, que representa o estado do Rio de Janeiro, é a face mais pública deste movimento. Há mais de 20 anos que defende o retorno do regime militar mas nos dias de hoje a sua mensagem ressoa de forma diferente. Foi reeleito em 2014 e é o candidato presidencial preferido entre os brasileiros mais ricos para as eleições de 2018. No entanto não está sozinho.

Juntamente com outros conservadores pertence à poderosa “convenção partidária BBB” – abreviação para “bala, carne de bovino e bíblia” – na medida em que representam as forças de segurança, o agronegócio e as igrejas evangélicas. Nem todos os membros se sentem melancólicos quanto aos dias do regime militar – pelo menos não abertamente – mas parecem preferir uma ditadura de direita a um governo democrático gerido pela esquerda. Um deputado utiliza uniforme militar para trabalhar e refere-se ao golpe de 1964 como “revolução democrática”.

A nostalgia quanto ao autoritarismo parece ser uma tendência. Bolsonaro avança que aquilo de que a população brasileira mais sente saudade são os valores morais dos militares: “Havia decência e respeito pela família. As coisas hoje são uma vergonha.” – Avançou numa entrevista a um website noticioso, mencionando especificamente a legalização da marijuana como uma das muitas falhas morais do Brasil de hoje.

De acordo com uma sondagem de 2014, 51% dos brasileiros considera que as ruas eram mais seguras durante o regime militar. “Foi um tempo maravilhoso em que era possível andar na rua com segurança e a sua família era respeitada.” – Afirmou Bolsonaro numa entrevista na televisão. (Será de sublinhar que era verdade desde que as famílias não fossem consideradas pelo governo como “subversivas”, “terroristas” ou “inimigas do estado” o que se poderia aplicar a qualquer um que se atravesse a falar contra o regime).

Há também uma perceção generalizada de que não existia corrupção – que está a desfazer o atual regime – naqueles dias. Não é verdade, claro. Está hoje relatado que a polícia trabalhou com traficantes de droga e que governadores aceitaram subornos, entre outros exemplos, sob o regime militar. O que não existia naqueles dias era liberdade de expressão e liberdade de imprensa para denunciar crimes do governo.

Para Bolsonaro, entregar a liberdade dos brasileiros é um pequeno preço a pagar para obter, por exemplo “o respeito pelos professores na sala de aula” e para “ser possível comprar um revólver” numa loja.

No entanto, aquilo de que Bolsonaro e os seus apoiantes sentem falta é outra coisa: de um tempo em que as elites conservadoras enfrentavam poucos desafios e os mais desfavorecidos – minorias e pobres – seguiam as suas ordens.

Nas últimas décadas – e especialmente desde que o Partido dos Trabalhadores chegou ao poder há 13 anos – essa realidade mudou, mesmo que de forma incompleta. Agora a democracia significa que cada cidadão é igual, com o mesmo estatuto, e que toda a gente tem voz.

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