Quem tem medo da inteligência artificial?
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Há quem aponte a inteligência artificial como a fonte de resolução dos problemas da humanidade, mas ainda mais gente que receia que tal leve à extinção da espécie humana. A verdade é que a inteligência artificial já aí anda. E será que algum dos cenários extremistas faz sentido?

Há pouco tempo, o físico mais famoso do mundo ainda vivo, Stephen Hawking, expressou as suas preocupações quanto à inteligência artificial:

“O desenvolvimento da inteligência artificial total poderia ser o fim da raça humana”, disse ele à BBC.

Em outubro, Elon Musk deixou a mesma mensagem, avisando:

“Devíamos ter muito cuidado com a inteligência artificial. Se eu tivesse de adivinhar sobre qual seria a maior ameaça à nossa existência, muito provavelmente diria que era isso mesmo.”

No entanto, os esforços para desenvolver a inteligência artificial não param, com as principais instalações de investigação de ciência da computação e de desenvolvimento (e mesmo algumas mais pequenas) a dedicarem tempo, energia e dinheiro a tentar fazer computadores comportarem-se como pessoas. Alguns projetos estão a ser bem-sucedidos: hoje em dia, já há máquinas capazes de compreender os humanos, falar com eles, aprender com eles e escrever como eles. Estas máquinas vão tornar alguns postos de trabalho obsoletos e outros mais fáceis. Contudo, não são – ainda – uma ameaça para nós.

A geração Siri

A primeira aplicação de consumo dominante de uma máquina capaz de interagir confortavelmente com os humanos a partir de algo semelhante à linguagem natural foi desenvolvida pela Apple sob a forma da assistente pessoal Siri. Desde aí, a Microsoft lançou o Cortana e a Google também disponibilizou aos seus utilizadores a opção de falar com os seus telemóveis, se bem que sem uma personalidade antropomórfica.

Todavia, a Siri e os seus homólogos não são bem IA. Apesar de o processamento de linguagem natural – a capacidade para uma máquina se envolver numa conversa – ter constituído um grande salto na última metade da década, permanece limitada, diz Charles Ortiz, que colabora na área da IA na Nuance, a empresa responsável pela tecnologia de reconhecimento de voz da Siri.

Por exemplo, pode perguntar à Siri para encontrar restaurantes num bairro específico. Contudo, a aplicação não consegue envolver-se em interações mais complexas, que envolvam vários dados tais como “Eu queria fazer uma reserva num restaurante em Chelsea, preferencialmente num restaurante italiano, mas também pode ser chinês, para três pessoas por volta das 7 da noite – oh, e queria um que tivesse um serviço de estacionamento com manobrista e um menu infantil”. Esse tipo de coisa requer várias interações ou algumas pesquisas no Google. “O verdadeiro objetivo é tentar humanizar o âmbito desta tecnologia extremamente expansiva com a qual lidamos todos os dias”, afirma Ortiz.

A Amelia vai para o trabalho

Embora a existência de uma máquina com a qual os humanos possam conversar esteja ainda um pouco longe de acontecer, já existe uma versão mais básica baseada num sistema de texto. A IPsoft, uma empresa de tecnologia sediada em Nova Iorque, desenvolveu aquilo a que apelida de “trabalhador de conhecimento cognitivo” chamado Amelia, que irá colaborar com a Accenture para dirigir o software de duas grandes empresas de petróleo, a Baker Hughes e a Shell.

O avatar antropomórfico de Amelia corresponde a uma mulher loura com um físico agradável, com um cabelo bem arranjado e um olhar um pouco intenso. Ela (bem… diga-se a máquina com aparência humana) tem a compreensão de uma criança de 6 anos e um espectro emocional que reage ao tom do seu interlocutor humano, diz Martijn Gribnau da IPsoft. Se um humano se tornar irritante, a Amelia ajusta o seu tom de acordo com a situação. E se não conseguir resolver o problema, chama um operador humano – e depois fica a observar e a aprender a partir da interação.

Quando um humano envia uma mensagem à Amelia, o software reparte-a em vários componentes. À medida que a conversa vai progredindo, a Amelia é capaz de relacionar as questões anteriores às atuais, mantendo as suas respostas atualizadas e coerentes. Apesar de isto não parecer grande coisa para uma criança de 6 anos, para uma máquina é um grande feito.

Como parte da sua fase piloto, a Baker Hughes vai usar a Amelia numa fase inicial para lidar com fornecedores externos – preenchimento de faturas e coisas desse género. Na Shell, a Amelia vai auxiliar os funcionários a preparar novos cursos para formação interna, diz Cyrille Bataller da Accenture.

Prosa personalizada

Enquanto a Nuance e a IPsoft querem perceber a linguagem natural, a Yseop (pronunciada “easy-op”), uma empresa francesa com escritórios nos Estados Unidos, cria software que se aproxima muito do outro lado da linguagem natural. Em vez de tentar compreendê-la, o negócio da Yseop é escrevê-la. Outras empresas como a Narrative Science, cujos robôs escrevem para a Forbes e a Automated Insights que trabalha com a Associated Press, criaram softwares que elaboram relatórios a partir de dados. No entanto, a Yseop é capaz de produzir relatórios personalizados e recomendações a partir de entradas dinâmicas introduzidas por utilizadores comuns, diz John Rauscher, CEO da empresa.

Vários websites tais como o vetonline.com e a L’Oreal utilizam o software para inquirir os clientes e dar sugestões precisas em inglês aos utilizadores numa maneira muito semelhante à que um médico ou cabeleireiro faria. O software funciona com um mecanismo de inteligência artificial chamado motor de inferência.

Rauscher mostrou-me outras utilizações do software, tais como a criação rápida de resumos fáceis de ler de uma base de dados de gestão de relacionamento com o cliente. A noção subjacente é que os dados já não são assim tão difíceis de encontrar ou de reter, no entanto, vasculhar entre montanhas de informação para interpretá-los pode por ser por vezes uma tarefa um pouco desafiante para um ser humano. Se uma máquina conseguir resumir quantidades e quantidades de informação em puro inglês, é muito mais fácil para os humanos trabalharem com eles.

Apenas o princípio

Tanto a Amelia como o software da Yseop são formas rudimentares de inteligência artificial; é muito pouco provável que planeiem dominar o mundo. Uma maior preocupação são os trabalhos mais quotidianos.

Os trabalhadores de call-center, quer estejam a lidar com preenchimentos de faturas, quer estejam a dar aconselhamento sobre saúde animal, têm de aderir a processos e diálogos muito apertados – é-lhes dadas muito pouca autonomia, se é que lhes dão alguma. Já as máquinas são adequadas para essas funções. (De facto, os trabalhos repetitivos sempre estiveram em risco de se tornarem automatizados: no séc. XV, foi instalado em Veneza uma torre de relógio com duas figuras de bronze no topo para tocar no sino a cada hora que passasse.)

Mas noutras profissões de conhecimento intensivo, a IA pode vir a colaborar em vez de substituir os humanos, argumenta Gribnau da IPsoft. Os executivos de vendas poderão obter rapidamente resumos sobre os seus clientes sem ter de andar a vasculhar no meio de folhas e folhas. Médicos, advogados, funcionários dos serviços de finanças e outros tantos que precisem de estar a par de quantidades vastas de informação podem simplesmente chegar junto de assistentes de seleção como a Amelia e pedir-lhes para selecionar informação específica sobre regulamentos, doenças ou interações anteriores. Os Serviços de emergência podem fazer automaticamente uma triagem dos pacientes que corram menos risco recorrendo ao software da Yseop e colocando questões básicas e obter relatórios.

Esta é uma espécie de inteligência artificial extremamente útil e necessária. O software da Yseop não consegue pensar por si, a Amelia não é independente. Só o homem pode colocá-los em ação. A assombrosa possibilidade de uma inteligência artificial completamente autónoma, a qual Hawking e Musk tanto temem, está longe de se concretizar. Por enquanto, a IA pode ajudar o homem a evitar a possibilidade de uma busca eterna de faturas e de uma longa espera por resposta do call-center.

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