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A “poeira inteligente”, há muito mencionada em trabalhos de pesquisa e filmes de fição cientifica, é agora uma realidade. Qual será o potencial deste microcomputadores?

Quando Prabal Dutta deixa cair acidentalmente um computador, nada se quebra. Não há nenhum acidente. O único som que pode ouvir é um gemido prolongado. Isso porque estes computadores têm apenas um milímetro cúbico de tamanho e uma vez que atinjam o chão já ninguém os encontra.. "Acabamos por perdê-los", diz Dutta. "É pior que jóias." Para transmitir melhor a sua ideia, Dutta, professor assistente de engenharia elétrica na Universidade de Michigan, envia-me por e-mail uma fotografia de 50 destes computadores. Eles mal enchem um dedal até meio.

O que há no dedal é o culminar de uma década de pesquisa de sistemas microeletromecânicos (MEMS) – a tecnologia de computadores muito pequenos. MEMS são também chamados de "poeira inteligente", e a poeira de Dutta é a menor conhecida da humanidade. Dutta faz parte do Michigan Micro Mote, ou M3, projeto da Universidade de Michigan, e o M3 está à beira de divulgar os planos dos "motes", como lhes chama Dutta. Assim que os motes obtiverem aprovação do escritório de licenciamento da universidade – o que vai acontecer a qualquer momento, diz Dutta – o M3 vai divulgar as plantas no seu site mbus.io, para que os investigadores de dedos ágeis, hackers e entusiastas do Maker Faire também possam começar a construí-los. Depois de anos de tentativa e erro, a poeira inteligente, muito antecipada pelos membros da comunidade científica, chegou finalmente.

A fim de testar completamente os limites dos motes no mundo real, a equipa M3 decidiu que iria definir a arquitetura geral do mote, mas confiar os últimos pedaços de componentes (como uma câmara e células solares) aos entusiastas de MEMS.

"Eles podem usá-lo para construir coisas malucas", diz Dutta.

Que tipo de coisas? Existem as utilizações militares óbvias, tais como a vigilância, mas estas pequenas partículas são pequenas o suficiente para chegar, literalmente, dentro da sua cabeça e, por exemplo, analisar um tumor antes que ele cresça demasiado para cirurgia, ou talvez avaliar o nível de trauma cerebral após um ferimento na cabeça. Numa escala mais ampla, pode-se fazer a poeira inteligente voar numa tempestade de areia ou num incêndio e transmitir informações sobre as condições. Ou os cientistas podem usá-la para avaliar o nível de toxicidade no fundo de uma mina de carvão – ou em Marte.

As próprias metas de Dutta têm decididamente os pés mais assentes na Terra. Para ele, o retorno real pode significar usar motes para medir dados diários, num esforço de resolver questões de sustentabilidade crítica. Dutta acha que o mote M3 e seus parentes têm o potencial para determinar os custos energéticos reais da sua casa: por exemplo, eles podem determinar exatamente quanta água sai da sua cabeça de chuveiro. Por outras palavras, estes motes têm a capacidade de nos mostrar o verdadeiro custo do consumo de energia e, numa época em que o estado da Califórnia está a enfrentar uma das piores secas da sua história, a poeira inteligente só pode ajudar a salvar-nos de nós mesmos.

A corrida para construir o menor computadore do mundo tem estado em trabalhos desde que o professor da UC Berkeley, Kristofer Pister, cunhou a expressão "poeira inteligente", em 1997, quando os computadores da Apple ainda eram do tamanho de grandes cães de colo e a poeira inteligente material da ficção. Pister anteviu um futuro onde os computadores de tamanho da cabeça de um pin cobririam a terra como uma nuvem neural, transmitindo dados em tempo real sobre as pessoas e o meio ambiente. Cada partícula de "pó" funcionaria como um único computador autónomo: um pequeno pacote de potência, sensores, chips de computação e comunicação, que poderia incorporar e transmitir informações sobre o seu ambiente, processar dados básicos e comunicar uns com os outros, usando quase zero consumo de energia. E cada computador não seria maior do que um milímetro cúbico de tamanho.

Mas a visão de poeira inteligente de Pister nunca veio a acontecer. Depois de deixar a academia para fundar uma empresa chamada Dust Networks no início de 2003, Pister foi distraído pela logística da gestão de uma empresa e parou de dar atenção aos pequenos computadores a tempo inteiro. O menor mote que sua empresa produz atualmente tem mais ou menos o tamanho de um cubo de açúcar: bom para a realização de diagnósticos em serviços públicos, não tão bom para explorar o cérebro ou qualquer outra coisa que requeira uma presença pequena e discreta – qualidades essenciais para se misturar com a muito falada rede interna das coisas. "A minha única contribuição mais importante, provavelmente, foi arranjar um nome cativante", Pister diz rindo, mas é rápido a acrescentar que a Dust Networks é muito bem-sucedida.

"Nós estamos, basicamente, em cada refinaria de petróleo no mundo, e em aplicações industriais desde o deserto saudita ao Círculo Ártico", diz Pister.

História da minimalização

A história dos MEMS remonta a quase meio século, à Guerra do Vietnam. Em 1967, uma operação militar conhecida como Iglô Branco lançou pelo ar milhares de sensores disfarçados de plantas ao longo do caminho de Ho Chi Minh para monitorar a circulação dos camiões com a intenção de revelar a atividade inimiga. Em última análise, a operação falhou devido a um número esmagador de falsos alarmes. Ainda assim, a DARPA começou a financiar redes de sensores semelhantes distribuídas por volta de 1980.

Até Julho de 1999, Pister tinha desenvolvido um mote com um volume de 100 milímetros cúbicos com um transmissor a trabalhar. Jason Hill, um colega de Pister, criou o sistema operacional TinyOS para ser compatível com a nova onda de motes de Pister, combinando-os com hardware conhecido como o "Mica" mote, em 2001. Hill também criou o mote "Spec" em 2002, que media 2,5 milímetros de cada lado e foi equipado com um rádio que transmitia mas não recebia sinais. Depois apareceram os Motes Mica 2 do tamanho de uma caixa de fósforos, também desenhados na Berkeley.

Foi nessa altura que Dutta tropeçou pela primeira vez na tecnologia de MEMS. O licenciado da Ohio State estava a vaguear pelos corredores da sua alma mater, quando viu um grupo de estudantes a trabalhar em placas de circuito num laboratório. Para Dutta, os motes na mesa eram como doces para os olhos. Então Dutta decidiu seguir com o seu mestrado em engenharia elétrica e mergulhou nos MEMS.

Até 2010, Dutta esteve na Universidade de Michigan, onde os colegas David Blaauw e Dennis Sylvester tinham criado uma maravilha de 1,5 mm³ chamado Chip Phoenix. O sistema de sensor alimentado por energia solar foi concebido para medir a pressão intra-ocular em pacientes com glaucoma. Dutta ficou impressionado. Mas queria dedicar-se a “etiquetar” coisas no ambiente, monitorizar recursos naturais escassos, em particular.

Então Blaauw, Sylvester e Dutta esboçaram planos para o que se tornaria o projeto M3. Eles trabalharam de cima para baixo, o que significa que eles projetar um sistema totalmente antes de qualquer codificação começar, e construíram os motes para operar num orçamento energético de meros nanowatts. Eles criaram novas estruturas de circuito para RAM e para lidar com o calor, e criaram novas formas de processamento e de programação, feitos opticamente e utilizando luzes estroboscópicas. O resultado foi um mote sem fios constituído por vários módulos Fleck, que subsistiam autonomamente com pequenas quantidades de energia colhida do calor ou luz através de células fotovoltaicas.

Funcionar com uma baixa quantidade de energia foi um salto gigantesco para a visão da equipa de poeira inteligente. Estes motes seriam muito pequenos para serem recarregáveis, e uma vez implantados – ou se caíssem no chão – poderiam ser irrecuperáveis. Assim, os motes tinham de ter um tempo de vida de energia decente.

Aqui entra algo chamado MBus. Como um módulo de interligação de chip-a-chip para o mote M3, o MBus permite modos de espera de ultra-pouca-energia de oito nanowatts, e reduz o consumo de energia global do mote em 23%.

O M3 tem falado com corporações para a inclusão de poeira inteligente em tecnologia que se veste, e lançaram recentemente uma empresa com fins lucrativos chamada CubeWorks. Eles pretendem melhorar os dispositivos existentes usando os seus novos métodos de energia para recolher dados, como um Fitbit que precisa de ser recarregado a cada seis meses, em vez de a cada dois dias.

Quanto a Pister, a Dust Networks tornou-se uma distração de dez anos a partir da poeira inteligente que originalmente queria construir. O M3 pode manter o recorde agora, mas Pister ainda sente que tem um pé no jogo. "Quero reaver esse título", diz ele. O seu trabalho num mote de chip único já está em andamento. Este poderia proporcionar um animado duelo dentro da comunidade científica, ainda que muito pequeno.

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