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Elon Musk e a SpaceX querem construir uma cidade para alojar milhões de pessoas nos próximos 40 a 100 anos. Só há um senão – é em Marte

Agora que temos a confirmação de que o terrivelmente ambicioso executivo está investido em imitar a premissa do filme Space Jam, é altura de colocar algumas questões elementares. Será ético? É legal sequer? Ou faz tudo parte do jogo de vídeo em que Musk acredita que vivemos todos?

Antes de mais, fará sentido pensar na colonização de Marte como a próxima aventura espacial da Humanidade?

Durante as horas que antecederam a palestra que Musk deu no International Astronautical Congress no México há algumas semanas, revi quase um livro inteiro de notas tiradas num fim de semana entre cientistas da “nova era espacial”, engenheiros e empresários, na inauguração da conferência New Worlds (Novos Mundos) em Austin no ano passado.

Se Elon Musk tem alguma coisa a ver com os seus contemporâneos no que toca a expansão de sociedades e negócios no espaço, aquela foi, sem dúvida, uma assembleia dos seus semelhantes, todos investidos em discutir o futuro da raça humana no espaço. Richard Garriott, investidor na SpaceX e amigo chegado de Musk, comentou inclusivamente a obsessão deste último por Marte.

Ouvi da parte de várias pessoas com anos de experiência na NASA, ou no setor espacial comercial, relatos bastante detalhados de planos e projetos sobre como nos deveríamos aventurar no espaço. A ideia de desenvolver uma pequena colônia em Marte, quanto mais uma metrópole como a de Musk, não constava da lista de prioridades da maioria. Falou-se muito em voltar à Lua, em montar estações de energia solar em órbita e em construir estações espaciais à semelhança das do filme Elysium ou livro Ringworld, mas na palestra “Como ocupar Marte” a conversa girou em torno de como morrer no Planeta Vermelho.

Pense nisto por um segundo. Algumas das pessoas que falam mesmo a sério sobre a vida no espaço acreditam ser mais fácil construir uma cidade aérea de raiz colonizando Marte. É basicamente o mesmo que dizer que prefere construir uma casa no mar em vez de no Deserto do Saara – o Saara é um sítio simpático para visitar, talvez até para abrir um entreposto ou uma mina, mas prefiro mil vezes uma casa flutuante em pleno mar.

Por quê Marte?

A pergunta importante que se segue é: será que queremos mesmo ir para Marte? Afinal de contas, temos outro sítio muito mais próximo e que vemos muito mais claramente no céu todas as noites. Já lá estivemos e deixamos por lá alguns veículos e tudo.

“Chegar a Marte é fisicamente possível. Resta saber se é aconselhável” adiantou Pascal Lee, presidente do Mars Institute (Instituto de Marte), durante a conferência.

Ah pois é. O próprio presidente do MARS INSTITUTE não tem a certeza se Musk não está perdendo tempo com o Planeta Vermelho. Jim Logan, que passou duas décadas na NASA como médico especialista, ressalvou durante a mesma conferência que passear por Marte não será propriamente o mesmo que as aventuras de Mark Watney em The Martian (Perdido em Marte).

“Há demasiada radiação para se andar passeando de fato e todo-o-terreno” acrescentou, salientando que uma comunidade humana teria de se estabelecer vários metros abaixo da superfície ou atrás de escudos protetores potentes para fazer face à radiação e conseguir sobreviver em Marte.

Durante a apresentação, o empresário limitou-se a ignorar estas considerações médicas fundamentais.

“Fala-se bastante na questão da radiação mas não me parece que seja um problema de maior” disse.

Pois… ‘Tá bem. Deixemos passar esta. Temos algumas décadas para inventar tecnologia de proteção de ponta e há coisas de facto muito interessantes a acontecer no domínio da engenharia de materiais, de modo que Musk talvez até tenha razão e tudo isso esteja resolvido na altura em que estivermos prontos para construir casinhas em Marte.

Mas há outras preocupações a longo prazo. Tais como o fato de criar uma família em Marte poder comprometer a musculatura e esqueleto dos mais novos, de tal modo enfraquecidos que seriam incapazes de sobreviver à gravidade na Terra. Isto se alguma vez lhe apetecer trazer as crianças cá abaixo para ver os avós.

“Temos a certeza absoluta que as crianças cresceriam enfraquecidas em Marte”, como explicou, durante a conferência, Al Globus, um grande apoiante da colonização em órbita que trabalhou com o centro de pesquisa Ames da NASA ao longo de vários anos. “[Estas crianças] não seriam provavelmente capazes de alguma vez visitar a Terra”.

Ainda nem sequer chegamos aos desafios envolvidos em criar toda uma nova sociedade de raiz num ambiente hostil – em que o transporte seria assegurado por Musk.

A lista de questões levantadas, por um planeta cheio de problemas por resolver, para que a visão de Musk se concretize é interminável. Porém não podemos dizer seguramente que seja impossível. O empresário adora ultrapassar obstáculos e inventar soluções.

A tecnologia não melhora automaticamente”, disse o próprio em palco, já próximo do final da apresentação. “Melhora sim se investirmos muito talento e engenharia em determinado problema”.

Muito se disse nos últimos anos sobre Musk ter inspirado o personagem Tony Stark de Iron Man, mas o empresário parece-se na realidade mais com Mark Watney, ao querer cientificar os mais ambiciosos desafios que o universo nos coloca.

Mesmo que Musk esteja certo em achar que uma fortuna imensa, audácia e algum jeito para o marketing o podem ajudar a alcançar o que quiser, permanece a questão sobre se viver em Marte é sequer boa ideia.

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